Em “O Caminho Imperfeito” (Quetzal, 2017), José Luís Peixoto leva o leitor – através do seu sempre personalíssimo olhar – a Banguecoque e a Las Vegas. O livro está dividido em duas partes: a primeira centrada nas cores e, uma outra, na surpresa.
A primeira parte centra-se nos sons do bulício do trânsito da cidade, no seu ar espesso e denso, nas grandes perplexidades gastronómicas e religiosas (como a do gatinho recém-nascido dentro de uma salsicha ao qual a família erige um altar) e nos sabores da capital tailandesa, como veículos reveladores da cultura do país (atente-se por exemplo na simbologia das tatuagens) e os costumes do seu povo. Uma exploração magnífica e excêntrica, que recusa todos os lugares comuns do léxico turístico mostrando as faces menos perceptíveis da cultura, da sociedade, da história, da simbologia, da religiosidade e das crenças do povo tailandês, que o autor respeita profundamente.
Surpreendem as realidades muito diferentes como as que nos são descritas, mostrando que, diante dos nossos olhos, existem outros reflexos capazes de nos fazer reflectir sobre o nosso próprio tamanho ou grandeza. A sinistra descoberta de encomendas contendo partes de corpo humano numa estação de correios de Banguecoque (situação que inaugura o livro) fará que, com consequências imprevisíveis, a deambulação se transforme numa verdadeira demanda.
A segunda parte é a surpresa. Episódios vários vividos pelo autor, pessoais e familiares em registo autobiográfico, fundindo a sua vida mais interior com a sua tocante visão sobre as coisas, sempre num tom de surpresa e admiração – como se redescobrisse a vida -, enchem as páginas do livro. Nunca deixa de ser interessante, nunca deixa de nos prender e surpreender pela enorme sensibilidade demonstrada na forma como se vê, como gostaria de ser visto pelos outros e como vê o mundo. Chega a ser sublime e, nesse aspecto, este livro é também um grande legado de Jose Luís Peixoto, que responde nesta obra a duas questões filosóficas e mesmo metafísicas muito importantes: por que escreve e por que viaja.
Para além dos interessantes retalhos de viagens, transmitidos num registo sensorial, há também uma perspectiva bastante intimista que o autor se permite desvendar ao seu leitor: “Incomoda-me quando alguém acha que sabe quem sou apenas porque leu um livro escrito por mim – como este – ou, até, porque leu uma frase mal citada ou viu a minha cara numa fotografia. Sinto-me agredido quando tentam reduzir-me a conceitos fechados e intransigentes, construídos por olhares que não se questionam a si próprios, que não admitem qualquer hipótese de falha no seu preconceito (…) Não sou o meu corpo, não sou o meu nome, não sou esta idade. Não sou o que tenho, não sou estas palavras, não sou o que dizem que sou, não sou o que penso que sou.“.
Repleto de camadas que alargam o pensamento reflexivo do leitor, “O Caminho Imperfeito” convida a tirar ilações sobre a importância do respeito pelas diferenças – e a sua variedade – e, também, sobre o que as experiências vividas sobre os outros, os seus costumes e as relações imprevistas trazem à vida de cada um de nós. Um livro incontornável.
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