“O que é preciso para que uma pessoa reconheça o mal à medida que ele se desenvolve?”
“As Mulheres no Castelo” (Planeta, 2017), de Jessica Shattuck, é uma viagem à Alemanha nazi através dos olhar de três mulheres alemãs, cada uma delas representando, à sua maneira, a resistência alemã contra o regime de Hitler.
Os percursos de Marianne, Benita e Ania revelam-se diametralmente opostos. Enquanto a primeira provém de famílias nobres, respeitadas e até certo ponto protegidas, a segunda, nascida no campo, consegue pelo casamento ascender a círculos sociais e a uma elite distinta. Já à terceira começa por ser pedido a perpetuação das funções sociais de uma família de classe média, com um papel activo na construção de uma sociedade perfeita, pulverizando as camadas mais jovens com uma educação e acção de enaltecimento da nova raça, perfeita e inigualável.
Todas, a seu tempo, apercebem-se do torpor que as rodeia e do efeito anestesiante dos discursos de Hitler. Acompanhando-as percebemos como a mais abastada e esclarecida sociedade alemã se descontenta e se opõe à política de Hitler, desde o início cientes de que a Alemanha estava a ser arrastada para um grave conflito, não compactuando com o extremismo da política defendida.
Para muitos destes cidadãos alemães a resistência custou-lhes a vida; após terem arquitectado e falhado o assassínio de Hitler muitos foram executados, e as suas famílias encaminhadas para campos de trabalho. Com Marianne Von Lingenfels foi diferente, conseguindo, mesmo após a morte do marido, preservar alguma dignidade e o castelo, agora decrépito, onde pretendeu reunir viúvas e filhos de antigos resistentes alemães. O regresso faz-se com um duro resgatar de memórias e várias situações pouco claras, ou não impusesse a guerra a todos, mesmos aos resistentes, caminhos e escolhas de sobrevivência, que a seu tempo comportam cobranças morais.
1945 e uma Alemanha irreconhecível, com cidades destruídas e um povo física e moralmente fragmentado. A trajectória temporal do romance comporta saltos no tempo, ao passado destas três mulheres para que se perceba as decisões que tomam e ao futuro das gerações sobreviventes, à década de noventa e à forma como o passado continua a ser um presente contundente.
Os testemunhos, romances e biografias sobre a segunda grande guerra proliferam, quase todos na perspectiva dos aliados e das vítimas do regime nazi. “As Mulheres no Castelo” materializa o olhar de outras vítimas: a dos alemães que, não se identificando com a política e o conflito, se viram engolidos e procuraram regressar à tona, à difícil linha de aceitação do que fizeram e do que poderiam ter feito como oposição.
Passado o conflito, o que significa ser cidadão de uma nação derrota duas vezes. Como se retiram os estilhaços de um conflito que não se quis, de uma moral que constrange e de um resultado que nunca se imaginou.
Presciência e acuidade são requisitos para que a história não se repita. Para que se reconheça o mal à medida que ele floresce. “As mulheres no Castelo” são a outra perspectiva: aquela que também é preciso integrar. Uma narrativa aprisionaste e intensa.
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