Apesar da ausência de bandeiras e cachecóis, o ambiente em Óbidos era de clássico futebolístico em noite de sábado. E as palmas não se fizeram esperar assim que Ricardo Araújo Pereira (RAP) e Gregorio Duvivier, saídos do túnel de acesso da Livraria Labirinto, entraram em palco para uma conversa que versou sobre o novo livro de Duvivier, intitulado “Sonetos”, mas também sobre algumas das coisas que unem e separam os dois lados do Atlântico.
RAP começou por ler o soneto de abertura do livro de Duvivier, referindo-se aos sonetos como sendo “várias vezes badalhocos“. O mergulho na poesia foi explicado por Duvivier como uma forma de olhar o mundo como uma criança mas, sobretudo, uma forma de “falar dos temas mais ralos da forma mais culta“.
Em relação à barreira linguística que separa dois países que falam a mesma língua, Duvivier apontou o facto de os portugueses desconhecerem a existência das vogais, dando como exemplo a palavra colesterol que, da forma como chega aos seus ouvidos – qualquer coisa como Kostrol -, mais parece uma palavra russa. E a forma como, ao quererem imitar o sotaque brasileiro, colocam o “né?” no final de cada frase, fazendo lembrar ao humorista uma criança japonesa.
RAP puxou o assunto da diferença entre ricos e pobres, que se nota na forma como abrem a boca tanto para falar como para comer: os ricos menos, ao estilo de Cavaco Silva, e os pobres de boca aberta, sem medo que entre mosca. Duvivier aproveitou o embalo para declarar que “os brasileiros falam assim porque estão sempre na merda“.
O facebook e as redes sociais foram também tema. Para Duvivier, se foram as tias que estragaram o facebook, os portugueses terão sido os responsáveis por causar dano na reputação do Tinder: “Em Portugal as pessoas preferem falar que transar. Usam o Tinder para bate-papo“.
RAP aproveita para perguntar a Duvivier se ainda existem brasileiros no Brasil ou se estão todos por cá, ao que o humorista brasileiro responde “Portugal tá hipster“. E, acrescenta, farto da Madonna. Mas em relação aos brasileiros ficamos bem servidos: “Os mais legais têm vindo para cá, os outros vão para Miami“.
A política esteve também em destaque. Para Duvivier, é impressionante como a extrema-direita – ou, nas suas palavras, a “extrema-burrice” – é algo irrelevante em Portugal. RAP destacou o papel do PCP que, apesar dos muitos defeitos, não deixou nunca de falar nos trabalhadores. Duvivier traçou ainda um olhar curioso sobre a história brasileira, uma série de “golpes para evitar revoluções“, em que a Independência em vez de ter sido declarada foi oferecida.
Também o racismo foi tema de conversa, tendo RAP aproveitado para falar dos portugueses como uma espécie de magrebinos que nasceram um pouco mais acima. “Eu já vi brancos. Não é isto“, disse, apontando ainda a razão para os skinheads raparem o cabelo: “Para não se ver a carapinha“.
Em relação ao humor brasileiro, Duvivier disse que este bate nas mesmas pessoas que a polícia. À semelhança do que no dia anterior tinham dito Abel Barros Batista e Pacheco Pereira, o limite do humor foi definido por ambos os humoristas quando este causa dano a alguém. Na maior parte das vezes, defenderam os humoristas, o que se diz é causa de proclamação de burrice em nome próprio, servindo igualmente para que possamos tomar nota dos imbecis e fazer uma bela triagem. Sem dúvida a sessão do Folio que levou para casa o Prémio do Público. Legal, né?
Fotos cedidas ao Deus Me Livro pelo Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos.
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