Nova Iorque, manhã de 11 de Setembro de 2001, dezenas de pessoas (ou talvez centenas, dependendo do método de contagem) caíram das janelas do World Trade Center. Terá sido suicídio, a única saída para uma situação que se adivinhava de sofrimento intolerável? Ou, pelo contrário, a única solução possível para uma situação sem esperança de resolução, a melhor forma de lidar com uma perspectiva de desesperança, de fim antecipado e doloroso?
António Araújo, jurista, doutorado em História, autor de diversos livros e artigos nestas duas áreas, editor do blogue Malomil, é o autor de “Consciência da Situação – Um Ensaio Sobre The Falling Man” (Abysmo, 2017), uma compilação de informação diversificada e equilibrada seguida duma problematização intrincada, sustentada em sucessivas perguntas bem colocadas, que guiam a procura de uma resposta para a interpretação do que verdadeiramente poderá ter representado a sucessiva queda de tantas pessoas nas Torres Gémeas. A linguagem é clara e empírica, sustentada em muitas pesquisas, demonstrativa de várias perspectivas, documentalmente comprovadas.
Nesta viagem de regresso à manhã de 11 de Setembro de 2001, tomamos contacto com as manobras e consequentes inconsistências estatísticas em torno dos números, e respectivas categorizações das causas de morte dos que faleceram naquele momento, daquela forma inesperada e aparentemente inexplicável. Em parte porque a mesma, a dita causa de morte, já não era discernível no estado dos cadáveres que jaziam no chão, mas também porque para muitos a morte por suicídio, enfermando em si uma opção pelo fim quanto tantos procuravam a salvação, fosse, só por si, um terrível contra-senso, um sinal de fraqueza não compaginável com a natureza de heróis que a sociedade precisava de atribuir a todos aqueles que sucumbiram na tragédia. Sobre eles, os jumpers, viria a cair um manto de silêncio, de protecção das suas identidades e das respectivas famílias.
“Nas fotografias e nos documentários do 11 de Setembro vemos apenas pessoas a saltar lá do alto, assemelhando-se a bonecos desarticulados, marionetas grotescas que, numa dança macabra, dão voltas e cambalhotas no ar enquanto caem a pique, à velocidade de 240 quilómetros por hora. Diz-se que, apesar da velocidade, quem caiu não perdeu a consciência, a consciência de situação, durante a descida vertiginosa, mas teve morte instantânea logo que o seu corpo se despedaçou no solo.”
Fraqueza ou lucidez? “Entre o homem que, numa derradeira tentativa de sobrevivência, procurou descer do 90º andar da Torre Norte e os que voluntariamente saltaram existe uma trágica afinidade de desespero. Mas há também uma diferença radical. Podíamos chamar-lhe “consciência de situação”” – ou, se preferirmos, tomada de decisão por alguém que, tendo a percepção e interpretação de todos os elementos da situação de risco em que se encontra, faz uma projecção das opções que tem e do que lhe reserva o futuro. Muito provavelmente, as pessoas que saltaram das Torres Gémeas, chocando o mundo com a sua opção, quando havia quem morresse tentando salvá-las, revelaram tão só isso mesmo, uma perfeita consciência da situação. Não escolheram morrer mas antes como morrer, tomando o destino nas suas mãos após terem adquirido consciência da situação, da sua inevitabilidade e do que representaria simplesmente ficar à espera, quando viver já não era uma alternativa.
Para além da reflexão em torno desta tomada de decisão, há um ganho adicional a registar com a leitura deste ensaio de António Araújo: o contacto com as múltiplas formas de representação da tragédia, a forma como a mesma foi relatada e interpretada em investigações, relatórios oficiais, notícias, livros, filmes, num precário equilíbrio entre a fuga à massificação e a procura da individualização da tragédia e das vítimas.
Na essência, “A Consciência da Situação” é uma leitura inquietante, um confronto entre “imagens violentas” e “imagens de violência”, uma polémica dicotomia que tem acompanhado o tema falling man no 11 de Setembro de 2001 e o poder icónico da imagem, perturbador e interpelante.
Sem Comentários