“Atribuímos grande importância a estes passeios nocturnos que nunca deixarão de deslumbrar-nos, sobretudo quando o céu se apresenta limpo e coalhado de estrelas e os pirilampos escondidos na erva emitem sinais de luzes, fazendo-nos sentir duas crianças perdidas que avançam, dominando o medo, no interior de um enigma deslumbrante.”
Talvez neste parágrafo estejam algumas palavras que nos permitem caracterizar a escrita de Teresa Veiga. Serão de certeza como passeios nocturnos, onde as personagens, apesar de bem delineadas, apenas se apresentam como uma mancha escura, cujas camadas levaremos tempo a descobrir – ou por essas sombras se aproximarem, ou por a luz surgir. Os contos de Teresa Veiga incluídos em “O Último Amante” (Tinta da China, 2017) são compostos por enigmas e são, no desfecho, enigmáticos. O leitor avança, meio perdido, como se caminhasse na noite escura. Não avançará a medo, mas avançará à espera de sinais.
“Só quando o meu pai, muito raramente, lhe impingia de boa-fé a minha companhia é que eu desfrutava um pouco da sua presença, sem mais intimidade, aliás, do que ela concedia ao cocheiro, a quem por vezes não tornava a dirigir a palavra depois de lhe ter indicado o itinerário.”
É nesta frieza que o leitor lê as desventuras de quem ama e deseja ser amado. No entanto, não existem aqui sentimentos medianos, tudo é pautado pela extrema dedicação ou pela infame amargura do desprezo. É assim que as personagens se seguem umas às outras e se fundem em constantes dúvidas, entre os quatro contos aqui apresentados. Ainda assim, nada deixaria antever que de entre brocados e senhorinhas chegaríamos à “Canção do Lagarto Negro”, num misto de traições, peraltismo e cabaret.
“No entanto, quando olho para elas, parecem-me mais belas e verdadeiras do que a Alexandrina e é com elas que me quero parecer no futuro. Não gosto do que é eterno. Prefiro uma rosa desfolhada a um cacto polido, erecto, sobranceiro e intocável no seu vaso.”
Com personagens mais desfolhadas e outras mais erectas, participamos nas desventuras que ocorrem pelos mesmos espaços confinados, em casas que oprimem e parecem intocáveis. Ou na cidade, quase imune ao passar dos anos, nas ruas e praças que alimentam todos os contos, levando-nos até onde existem jardins com árvores que descrevem, belissimamente, mulheres.
“Talvez tenha razão quanto a Felícia mas no meu caso enganou-se redondamente. Não sou sólida, não sirvo para proteger, não sou de confiança. Se eu tivesse que escolher ser uma árvore era esta Eritrina coralóide com folhas instáveis que parecem dispersas pelo vento e flores vermelhas do feitio de estrelas-do-mar.”
O primeiro conto, “A minha vida com Bela”, surpreende pela perseguição e a admiração com Florbela Espanca – a escrita é belíssima mas a acção é pouca. “O último amante” e “Antes da revolução” repetem algumas ideias mas cimentam as personagens, ainda que nada prepare o leitor prepara para o narrador masculino e o conteúdo da quase relação amorosa entre Vitor e Raquel, num bem desenhado jogo narrativo na arte de repetir e misturar personagens.
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