Milton Hatoum – nascido em Manaus (1952) e descendente de libaneses – venceu por três vezes, com os seus três primeiros romances, o mais importante galardão literário do Brasil – o Prémio Jabuti). “Dois Irmãos“ (Companhia das Letras Portugal, 2017), editado no Brasil no ano 2000, é um desses três livros premiados – os outros são “Relato de um Certo Oriente” (1989) e “Cinzas do Norte” (2005) -, que chega agora às livrarias nacionais com o selo da Companhia das Letras portuguesa. Já em 2008, publicou o seu quarto romance, intitulado “Orfãos do Eldorado”.
“Dois Irmãos” conduz o leitor para uma história forte e muito bem contada, passada em Manaus, Amazónia, no dealbar do seculo XX, na casa de família de origem libanesa, onde dois gémeos idênticos (filhos de Halim e Zana) sustentam uma relação traumática, intensificada por serem muito diferentes nas personalidades, entrando inevitavelmente em confronto e convulsão.
Um nasceu primeiro (Yaqub) e o outro (Omar) logo a seguir, mas será esta a ordem inversa do amor da mãe. A rivalidade dos irmãos será potenciada com a entrada em cena das mulheres, mas especialmente de Lívia, o fósforo final a incendiar (ainda mais) a relação tensa e conturbada dos gémeos, agora na disputa da mesma mulher (amada). Uma história impressiva de uma família que abarca todos os condimentos de uma trama que fascina: o ódio entre irmãos, a competição, os vícios, o incesto, a violação e os conflitos irreversíveis.
A vida de sucesso de Yaqub (embora sendo o filho menos presente e menos acarinhado na vida dos pais) e a vida viciosa e decadente de Omar, feita de expedientes ilegais e muitas vezes amorais, entram em choque com consequências imprevisíveis no seio da família. A dor da mãe de ambos (Zana ou Zeida) e o seu permanente fito na pacificação entre irmãos, culpada por sentir preferência por Omar, que morre rodeada dos seus fantasmas e sem ver os filhos apaziguados.
O livro é muito original em duas vertentes: a apresentação gráfica, onde o autor começa a escrita no verso da página – sendo sempre aí que coloca os números dos capítulos -, e o facto de “entregar” a Nael, importante testemunha da casa, a narração desta história de absoluto declínio familiar, deixando o leitor a indagar-se durante muito tempo e livro adentro sobre a verdadeira identidade do narrador. Uma poderosa história de família contada com grande autenticidade com um final que encerra um perdão adiado.
Milton Hatoum vai estar no Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos no dia 28 de Outubro (21h00), onde estará à conversa com José Eduardo Agualusa.
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