“Talvez aviste mulheres semelhantes, como sucede nos filmes, onde o herói julga reconhecer a amante do outro lado da rua, por causa do vestido ou dos cabelos, e parte desabalado; precipita-se entre os carros, trepa nos pára-lamas, esbarra nos figurantes, toca afinal o cotovelo da moça e, no instante em que a impostora vira o rosto, mesmo que possua um belo rosto, é monstruosa.”
Cantor, compositor, intérprete, actor, escritor, poeta e dramaturgo — Chico Buarque bem podia ser designado o homem dos sete ofícios. Conhecido por ser um dos maiores nomes da música popular brasileira, é também na literatura que vem deixando a sua marca. Publicado originalmente em 1995, “Benjamim” (Companhia das Letras Portugal, 2017) é o segundo romance de Chico Buarque, o terceiro lançado este ano pela Companhia das Letras portuguesa.
Tal como em algumas das suas músicas, “Benjamim” (Companhia das Letras, 2017) é nostalgia, melancolia e lirismo em estado puro. Uma prosa que parece poesia, numa escrita cinematográfica que nos faz ver o filme do que lemos diante dos nossos olhos. Ler “Benjamim” é divagar pela mente de um homem perturbado, assombrado por fantasmas do passado, sem saber o que é real ou imaginado, o passado ou o presente, em múltiplas camadas que exaltam o mais profundo da personagem.
Benjamim Zambraia é um homem tragicamente só e obcecado pelo passado marcado pela morte da mulher da sua vida, Castana Beatriz, que procura incessantemente no presente, resgatando-a numa outra jovem, Ariela, que em tudo lhe faz lembrar o seu grande amor. Revivendo memórias, num passado onde com a juventude parece ter ficado a beleza e a fama, o ex-modelo fotográfico vive num tumulto interior, numa mágoa constante que o encaminha para um destino trágico.
Desde a adolescência que Benjamin vê na câmara uma extensão de si mesmo, e é através dela que observa o mundo exterior. É assim que passado e presente se confundem, numa narrativa que muitas vezes baralha o leitor, tal é a ambiguidade, os devaneios, a alucinação — um verdadeiro quebra-cabeças — mas que no final vale por essa incompletude, fazendo reflectir sobre o que prevalece no meio do caos. Benjamim está diante de um pelotão de fuzilamento, e são breves os instantes que tem para rever a sua vida.
“(…)Naquele instante Benjamim assistiu ao que já esperava: sua existência projetou-se do início ao fim, tal qual um filme, na venda dos olhos.”
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