“Escritor – formado em literatura policial pela Escola de Conan Doyle – Ex-interno dos romances de Edgar Wallace – Ex-assistente de Maurice Leblanc – Especialista em novelas de 64 páginas. Até cinco crimes, mil escudos; com situações imprevistas, preços convencionais.”
Numa altura em que tanto se fala do conceito de pós-verdade, a Ponto de Fuga decidiu avançar para a publicação da primeira colecção dedicada ao pioneiro português do romance policial que, como jornalista, mostrava uma imaginação delirante perante os factos, abrindo uma via de dois sentidos entre a realidade e a ficção – para desespero de uns e gáudio de muitos.
Reinaldo d’Azevedo e Silva Ferreira, mais conhecido por Reinaldo Ferreira e, para a posteridade, conhecido como Repórter X, nasceu em Lisboa a 10 de Agosto de 1897, filho de um contabilista e de uma doméstica.
Revelou desde muito cedo uma propensão para as letras e a fantasia, tendo ingressado na redacção d’A Capital em 1914, onde deu os primeiros passos no jornalismo. Porém, não contente com a pouca excitante relação que o jornalista tem de ter perante os factos, começou a retocá-los com alguma criatividade, não demorando a tornar-se, rezam as crónicas, num mestre da literatura policial.
A 11 de Junho de 1917, a edição da noite do diário O Século publicava, com honras de primeira página, uma carta assinada por um tal de Gil Góis – um belo pseudónimo -, que dava conta de um “facto misterioso” que testemunhara na madrugada anterior: “três homens, completamente embuçados, saíam de um velho prédio desabitado que há na Rua Saraiva de Carvalho, transportando, com a dificuldade que denuncia o peso, um grosso volume de forma humana embrulhado em panos“.
Os leitores do jornal aderiram em massa àquela narrativa, incertos sobre o grau de veracidade da mesma, que alimentou teorias durante seis meses alimentou e foi esgotando tiragens. Na altura, Reinaldo Ferreira tinha apenas 19 anos, estando ainda longe de se tornar no célebre Repórter X.
“O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho” (Ponto de Fuga, 2017) é a edição que assinala os 120 anos do nascimento de Reinaldo Ferreira, bem como o centenário da sua publicação original – este volume não era reeditado desde 1919 -, reproduzindo integralmente o texto impresso nas páginas da edição da noite d’O Século. Uma edição graficamente muito cuidada, com ilustrações e iconografia da época, capas de Nuno Saraiva e uma introdução de Joel Lima, e que traz ainda uma recriação do folhetim com alguns apontamentos – e publicidade – modernos.
Até ao final do ano, a Ponto de Fuga tem ainda prevista a edição de diversos títulos: “O Groom do Ritz”, um conjunto de três novelas sequenciais não reeditadas desde 1926; “As Sensacionais Aventuras de Jim-Joyce, o Ás dos Detectives Americanos”, publicadas em fascículos no Brasil por volta de 1924 (mas inéditas em Portugal); e “As Aventuras do Repórter X no País dos Sovietes”, reportagem na União Soviética em 1925, inédita em livro.
Em 1919, Reinaldo Ferreira casou-se com e passou um ano em Paris, antes de se radicar em Espanha, onde, para além do jornalismo e da ficção, desenvolveu o talento de realizador de cinema. Em rota de colisão com o regime de Primo de Rivera, regressou a Portugal em 1924 para não ser preso, passando a colaborar com várias publicações de Lisboa e, mais tarde, do Porto. Data dessa altura a gralha tipográfica que acabou por ditar o pseudónimo Repórter X, com que assinou as suas prosas carregadas de sensacionalismo, numa carreira intensa mas muito breve. Tendo encontrado na morfina um bálsamo para os males do amor e um combustível para a criação, morreu em Lisboa a 4 de Outubro de 1935. Tinha 38 anos.
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