Carlos Querido é um autor apaixonado pela História, tendo escrito vários livros como “Salir d’ Outrora” (2007), “Praça da Fruta” (2009), “A Redenção da Águas – As peregrinações de D. João V à Vila das Caldas” (2013) ou “Príncipe Perfeito – Rei Pelicano, Coruja e Falcão” (2015).
“Insanus” (Abysmo, 2017) é a sua mais recente obra, invulgar e apaixonante, composta por 29 fragmentos de histórias/contos – cada um deles um apontamento luxuriante de significados -, eivados de sentimentos e expressões humanas simples e normais que o autor transforma em expressões sublimes, poeticamente falando. Uma prosa limpa, intimista, sóbria e de grande rigor no léxico e na sintaxe, resultando de um (necessariamente feito há muito) perscrutar do sentimento humano, das suas obsessões e contradições, inseguranças, atitudes insensatas e alienadas, perturbações psicológicas e pensamentos perturbados e perturbadores. O autor, talvez pela sua profissão (juiz), sabe indubitavelmente dos extremos de que a mente humana é capaz.
O leitor irá identificar-se com muitos destes apontamentos psicológicos e achar outros francamente insanos. Mas, na verdade, muitas vezes fruto de grande sofrimento, humilhação ou solidão, a mente humana fica insana (ou seja, demente e excessiva) face ao que é considerado normal na sociedade humana. A morte, sobretudo o suicídio, sempre presente como refrigério perante aquela circunstância de vida, onde o final de muitos dos contos coincide com o final das vidas das personagens. O suicídio subentendido ou o homicídio expresso, nos fortíssimos contos “Funções Vitais” e “Inventa Um Acidente”.
Muitos dos contos têm como estrutura de enredo monólogos de introspecção e conversas com médicos psiquiatras ou psicoterapeutas, as personagens sempre na primeira pessoa do singular, expondo os seus dramas, obsessões e mesmo alucinações. Outros contos interpelam a qualidade do homem religioso, como o “Cruz Deserta”, “Contraditório” e “Legião é o meu nome”, também numa perspectiva perturbadora, no que concerne à saúde mental das personagens.
São contos que interpelam o leitor com uma multiplicidade de questões, mostrando-lhe novas perspectivas sobre a mente humana e sobre a sua própria mente, cujos limites e contornos podem mudar incontrolavelmente a cada circunstância de vida, que toca a corda mais aguda das suas apreensões.
“Insanus”, o conto que encerra o livro, é como que uma epifania, o encontro do autor com todas as suas personagens: “Seguem-no: um tipo que cheira a cinza, um unicórnio, náufragos, suicidas, uma mulher que tem o corpo do marido a apodrecer em casa, um pistoleiro sem nome, dois pregadores, um surfista, etecetera, etecetera. (…) A criatura volta-se sempre contra o criador. (…) para a próxima talvez deva ser mais generoso e criar personagens felizes para sempre, sem razão de queixa e a viverem longe para não o importunarem”.
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