Realiza-se em Vila Franca de Xira e, neste ano de 2017, o Cartoon Xira chegou à sua décima-oitava edição, que decorreu entre 22 de Abril e 28 de Maio. Para além dos muitos convidados nacionais, o Cartoon Xira contou também com a presença de Quino – com a exposição “60 anos de humor” -, autor argentino que publica regularmente desde 1954 e que ficará para sempre conhecido como o criador da Mafalda, uma das mais incríveis personagens de banda desenhada de todos os tempos. Outro dos grandes destaques foi para a revista do melhor humor gráfico de 2016, um ano de poucas boas recordações, na já habitual exposição de cartoons que decorreu no “Celeiro Patriarcal”. De modo a assinalar a edição de 2017, chegaram às livrarias duas belíssimas edições em capa dura, ambos com o selo da editora Sistema Solar.
“Quino 60 anos de humor” (Sistema Solar, 2017) inclui o material produzido desde o primeiro trabalho de Quino, intitulado La Naturaleza Y La Calle – para a revista Esto Es em 1954 -, até às obras realizadas em 2014. De Mafalda, essa, nem um sinal, uma vez que o autor a desenhou pela última vez em 1973, altura em que decidiu não mais incorrer na estrutura expressiva das tiras em sequência.
Quino matriculou-se aos 13 anos nas Escola de Belas-Artes, que abandonou pouco tempo depois para se tornar autor de banda desenhada. Mafalda nasceria a 29 de Setembro de 1964, depois de uma encomenda da empresa Siam Di Tella que pretendia publicitar em jornal os electrodomésticos Mansfield. Mas nem só desta menina que odeia sopa e se questiona sobre as questões políticas, sociais e científicas, que atormentam o seu quotidiano, vive o universo de Quino.
Espécie de filósofo do desenho com uma veia anti-materialista e claramente anti-utopia, Quino está ciente de que vivemos num mundo desencantado e que caminha a passos largos para a barbárie. Mas que, ainda assim ou talvez por isso, convida a que o leitor opere em si uma mudança, tentando responder a questões como “De onde vimos?”, “O que somos?” ou “Para onde vamos?”.
Neste livro, feito de humor negro e uma melancolia extrema que conduzem sempre ao riso, aborda-se a finitude da vida, as infidelidades, as discussões conjugais, as surpresas da adolescência, a morte sempre à espreita, o implacável e desumano capital, a burocracia do mundo, a medicina, a mecanização/robotização, a volatilidade da história, a guerra ou a corrupção da justiça. Um livro que ficará muito bem ao lado de “Toda a Mafalda”, lançado pela Verbo em 2014, que reúne todas as tiras desenhadas por Quino com esta heroína sem poderes sobrenaturais.
“Cartoons do Ano 2016” (Sistema Solar, 2017)reúne trabalhos de António Antunes, José Bandeira, Carlos Brito, André Carrilho, Augusto Cid, Cristina Sampaio, Vasco Gargalo, António Jorge Gonçalves, António Maia, Rodrigo de Matos e Cristiano Salgado, num ano que, como escreve António José Teixeira no prefácio, foi único e não pelas melhores razões, sobretudo com a eleição de “um presidente imprevisível para os Estados Unidos da América e para o mundo“, “um cartoon de si próprio, hilariante se não fosse trágico“.
Foi também o ano em que se assistiu à emergência do conceito de pós-verdade, a palavra do ano para o Dicionário Britânico de Oxford, que veio trazer uma nova visão do mundo e dos factos. Mas são muitos os temas que atravessam estas páginas: a brecha na União Europeia criada com o Brexit; os novos e os velhos ditadores; a abertura de feridas antigas; o presidente dos afectos e das selfies; o governo das esquerdas e da “geringonça”; o último suspiro da oposição; o incrível Campeonato Europeu ganho por Portugal; os Panama Papers; o Brasil, desde os Jogos Olímpicos ao Lava-Jato; os atentados terroristas e a ditadura turca de Erdogan. Um álbum de cartoons que com poucas palavras e muita tinta ilustra na perfeição um dos mais estranhos e perigosos anos deste século.
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