A leitura de “A Flor Amarela” (Quetzal, 2017), um ensaio de Anabela Mota Ribeiro, é indispensável ao leitor que se deixou imbuir pelo génio de Machado de Assis no seu singular livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (MPBC).
“A Flor Amarela” retoma, no livro de Machado de Assis, o momento decisivo em que Brás Cubas situa o aparecimento da sua melancolia/ hipocondria (sinónimos à época), que coincide com o momento da morte de sua mãe: “…creio que por então é que começou a desabotoar em mim a hipocondria, essa flor amarela, solitária e mórbida, de um cheiro inebriante e subtil.”
Este ensaio faz uma profunda análise filosófica à grande questão: “Quando é que Brás Cubas começou a morrer?”. Sim, porque se trata de um ensaio sobre uma obra feita por um autor que está morto quando o começa a escrever, que narra a sua vida como um repetido fracasso (pessoal, íntimo, familiar, social e político), num ímpeto e numa melancolia tais que abre espaço para interrogações filosóficas sem limites – tal como o faz Anabela Mota Ribeiro, “acompanhada pelos contributos e iluminações de Schopenhauer, Nietzsche e Freud”.
O caminho que se abre ao leitor é, desde logo, que Brás Cubas é o alter-ego de Machado de Assis, no qual este delegou o seu sentir “desligando“ as MPBC da sua genealogia literária. Porque o faz e como o faz é o escopo deste ensaio, que responde, como a autora pretendeu, de forma “coerente e cosida”, a estas importantíssimas questões. E fá-lo com um apaixonante detalhe para o leitor, analisando o desconcertante e esdrúxulo MPBC com um apurado conhecimento das opiniões escritas pelos admiradores e críticos literários mundiais da obra de Machado de Assis.
“O drama de Brás Cubas é a certeza de que não há quem o lembre”. Esta asserção da autora é o ponto de partida para a explanação de uma critica apurada sobre todos os aspectos da vida/emoções/sentimentos de Brás Cubas (e Machado de Assis?), como a vida, a morte, o desejo, o principio e o fim, o renascimento para uma vida não viva, a infância, a mãe, o luto, a volúpia do aborrecimento, a melancolia/hipocondria, o ser ou não ser, o berço, o túmulo, a perpetuidade, o substrato metafisico – numa palavra, o sentido e o enigma da Vida. Existe, à semelhança do que o leitor encontrou nas MPBC, até um capítulo vazio, numa simbiose muito interessante com a Obra analisada.
A paixão da autora pelo génio brasileiro e, particularmente, pelas “Memórias Póstumas de Brás Cubas” – que também apaixonaram leitores de todo o mundo -, torna-a uma crítica literária muito competente de Machado de Assis: “É a forma superlativa de triunfar, até sobre a morte. E de nos dizer que estas memórias vão perdurar (…). Brás Cubas (e Machado de Assis) ganha ao transformar o esquecimento – que é a verdadeira morte – em vida (…). É com estas memórias que se vai da lei da morte libertando”.
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