“Para Garibaldo a guerra acabou com três meses de antecedência e com menos três dedos no pé direito. Coxeava quando se apeou da carruagem e mostrou aos amigos a fotografia de uma enfermeira da Cruz Vermelha de Génova, com olhos melados e gola de marujo. (…) Quando Garibaldo chegou, Asmara esperava-o junto à cancela, com um vestido que ela própria fizera, às flores, para quando ele regressasse no Inverno, mas que acabara por usar em todas as estações.”
Guiados por estes dois protagonistas entramos na “Praça de Itália”, de António Tabucchi (D. Quixote, 2017), a primeira obra do autor, escrita em 1973, e só agora publicada em Portugal. Nas palavras do próprio, um livro que foi as suas “raízes, de homem e de escritor”.
Ainda que enquadrados por alguma subversão cronológica dos acontecimentos, especialmente na primeira parte da narrativa, é possível acompanhar através de três gerações de uma família toscana, humilde, a própria história de Itália, da luta pela proclamação de um estado unitário até ao advento da República.
Com a acção situada nas últimas décadas do Século XIX e nos primórdios do milénio seguinte, acompanhamos a vida e os feitos de Garibaldi, herói de unificação italiana, com o cognome de “Herói dos Dois Mundos”. Pelo meio visitamos os campos italianos e a forma como a propriedade era gerida, as habitações e a forma de viver dos grupos mais populares. Perfeitamente entrosado com informação histórica acompanha-se o desenrolar de histórias de família, num amor simples, toldado pelas circunstâncias mas ainda assim resistente, numa perfeita analogia com os protagonistas. À época, percebem-se imperativos de integridade e laivos de intensidade.
Seguindo a árvore genológica de Plínio e Esterina – e dos seus quatro filhos – recordam-se feitos heróicos e de primazia do povo e da honra em detrimento da família e da segurança pessoal. Tudo isto num registo de ironia subtil, suportado pela crítica e sátira social, com uma descrição das personagens e das suas decisões mais impactantes para o evoluir dos acontecimentos.
Antonio Tabucchi, o autor italiano, faleceu em Lisboa em 2012, aos 68 anos. Tinha uma longa ligação com Portugal, sendo considerado um dos nomes de relevo da literatura europeia. Da primeira à última obra, manteve-se fiel ao retrato do tempo e ao valor da memória, persistindo em ser fidedigno na caracterização que faz tanto de personagens épicas como na associação pessoal que se pressente relativamente às suas convicções políticas e morais. Implícitas nos papéis assumidos pelos protagonistas das suas narrativas encontram-se posições de princípio facilmente transponíveis para a vida do próprio autor que, em vários momentos, tomou posição contra a falta de liberdade de expressão na escrita, nomeadamente no jornalismo.
Sem Comentários