A Noite da Literatura Europeia teve lugar a 24 de Junho, uma vez mais em Lisboa entre o Carmo e a Trindade, e o Deus Me Livro não faltou à chamada.
A azáfama era a esperada. Voluntários, bandeirolas, passaporte literário, carimbos e uma excelente surpresa, logo na primeira leitura encenada: o actor Ulisses Ceia, repetente, que muito bem despertou a curiosidade para a obra de Tilman Rammstedt, “Amanhã há mais“, num ambiente adornado com fotos de toque vintage e um clima à anos 70.
O final de tarde estava ameno e convidava a usufruir do espaço maravilhoso que são as ruínas do Convento do Carmo, onde decorreu a encenação, a cargo de Ana Sofia Paiva, que captou o ambiente boémio e louco do livro “À espera de Bojangles“, do francês Olivier Bourdeaut. Digno de repetir, caso o tempo assim o permitisse.
Era tempo de apreciar os telhados de Lisboa do topo do Lisboa Pessoa Hotel para ouvir a obra de culto de Arto Paasilinna, o finlandês que nos brindou com o romance “A Lebre de Vatanen“. Porém, a voz pouco entusiasta e monocórdica de Cátia Sá, reflectiu-se numa leitura longe do nível do livro em causa.
A hora de jantar já esperava por nós, mas ainda corremos até à Sala de Extracção da Lotaria para ouvir umas curtas lições de matemática de Alex Bellos, para ficarmos a saber que o 7 é um número mundialmente escolhido – o que em nada bateu certo com os nossos favoritos, que eram o 8 e o 13. Largámos o simbolismo e a numerologia e, já de copo na mão, ouvimos ler receitas de culinária de inspiração grega. Saladas de salsa e ovas ficaram-nos no ouvido e fizeram-nos salivar.
Ainda no mesmo espaço do Museu de São Roque subimos para junto da Arte Sacra para ouvir Simonetta Hornby e Inês Lapa, que nos encantaram,com uma passagem bastante bem escolhida, de «Café Amargo», despertando a curiosidade para um dos romances do ano e que marca a estreia da autora em Portugal.
Descendo a Rua Nova da Trindade, umas trincas num salgado e um andar apressado para chegar a horas à Academia de Amadores de Música que, este ano, não nos brindou com repertório musical, antes com excertos do livro “O amor é uma droga dura“, da espanhola Cristina Peri Rossi, que soou estranho, pouco sedutor, mas intenso e perturbador, num relato sobre a sexualidade e as mulheres lido por John Wolf.
Ainda com as palavras seios e pedras paleolíticas a ressoarem-nos na cabeça, avistámos a entrada para o Teatro da Trindade onde, na sala estúdio, nos aguardavam Nuno Pinheiro e o romeno Matei Visniec, para aquela que seria a encenação top da noite. A leitura de dois contos, “O filósofo” e “O mágico”, foram sem dúvida do melhor que a noite reservou. A entrega, o entusiasmo e a encenação dada pelo actor e a admiração com que o autor apreciava a leitura dos seus textos foi algo delicioso de se assistir.
Esta noite fica sempre marcada pelas leituras mas, também, pelos espaços que nos são permitidos visitar. Nesta edição temos de destacar o Círculo Eça de Queiroz, que data de 1940 e tem vindo sempre a receber ilustres, tanto da cultura portuguesa como estrangeira. Só é pena – e é de ressalva – a pouca simpatia e as restrições em circular no espaço. Nesta leitura reencontrámos Olinda Favas, também ela repetente nestas andanças, dividindo a cena com Emanuel Sousa e Daniela Gonçalves, numa atarefada, fragmentada e meio caótica leitura que deverá captar o ambiente dos “Fake Reports“, de Kathrin Röggla, durante o ataque terrorista do 11 de Setembro, simulando relatos jornalísticos e anónimos em momentos de histeria e desorientação.
Para a recta final ficou o retorno ao Terreiro Místico da Igreja do Santíssimo Sacramento para ver, escutar e sentir o trabalho de Miguel Fragata, da Formiga Atómica, que desenvolve leituras encenadas, essencialmente para o público mais jovens, tal como eram aqui os livros em causa. “Achimpa” e “O meu avô“, de Catarina Sobral, foram achimpissimamente bem representados!
O passaporte literário já mal tinha espaço para mais carimbos, mas ainda faltava conhecer a Livraria Sistema Solar antes de dar por terminada esta longa jornada. A descida ao Chiado foi rápida e o breve tempo de espera ainda deu para adquirir uns livros… é difícil resistir a pechinchas.
O final deste evento esteve a cargo de Júlio Martín, com leituras da obra “Pau de Chuva“, de Destova Hul, da República Checa, um romance de contornos policiais que explora a divisão da alma e a influência da cidade e do campo.
A noite continuou pelas ruas e avenidas da cidade até chegarmos ao carro, conversando e relembrando os melhores momentos.Uma vez peregrino, para sempre peregrino… e na Literatura não é excepção! Sem dúvida que o pódio literário pertence a Mr. Bojangles, aos contos romenos e às achimpices.
A EUNIC Portugal continua a elevar a qualidade deste evento e nós, leitores, só temos a agradecer.
Fotos: EUNIC Portugal/Carlos Porfírio
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