“O Pianista de Hotel” (D. Quixote, 2017) é o quinto romance de Rodrigo Guedes de Carvalho, e revela uma escrita mais apurada, segura, límpida e ritmada. A disposição gráfica do texto, ao estilo de um puzzle, é maturada e gizada como parte integrante do pensamento fragmentário do autor.
O à-vontade com que o autor trata as palavras e a sintaxe das orações, utilizando abundantes figuras de construção e quebrando a estrutura sintática do Português – quer através da inversão dos elementos, quer através da repetição, sempre mais de acordo com o sentido do que com as regras de sintaxe -, tornam esta escrita única e verdadeiramente original.
É um livro para se ler devagar, tão devagar quanto o autor, aqui no papel de narrador, deliberadamente vai conduzindo o leitor, levando-o (ou não) a identificar-se com situações de vivências comuns e quotidianas e a escalpelizar as emoções, contradições, agressões e redenções existentes na sociedade humana.
Trata-se de um romance que abarca a visão de um mundo complicado e difícil, perpassado por medos, vítimas, encontros e, sobretudo, desencontros, que provoca uma voragem de sentimentos pessoais em histórias sobre a vida, os nossos mortos, a homossexualidade, a violência, a violência doméstica, a violação, a solidão, o divórcio, o alcoolismo, as doenças terríveis, as mortes, o assassínio, o suicídio, a profissão médica e de enfermagem, as amizades improváveis, as designadas coincidências, o envelhecimento, o amor ou a dor interior, com histórias que apresentam um denominador comum: a música como redenção.
Este fruir prazeroso da leitura é ainda potenciado por antecipações – administradas a conta-gotas – e por apontamentos de um extraordinário humor que nos arrancam uma imprevista e saborosa gargalhada, como é a descrição de uma merecida bofetada dada pelo avô Sérgio ao pai de Luís Gustavo: “( … ) e espetar a mão inteira aberta no filho, o que lhe apanhou do queixo à orelha e o levou da cadeira para o chão, levando com ele o copo de vinho e a tigela da sopa”. Prazer esse entrecortado por reacções de angústia, suscitadas no próprio leitor porque nada é o que parece.
Depois, há as súbitas revelações e reviravoltas, escritas num texto contundente e sem evitamento da crueza de palavras que podem chocar, até pela imprevisibilidade. A trama está urdida com uma arquitectura inteligente, que prende o leitor pelas camadas e degraus, para cima e para baixo, pelas histórias das personagens que, afinal, não se cruzam mas estiveram quase, quase numa cadência para um encontro final (Adiado? Perdido? Real?) que o autor controla até ao fim. Um livro inquietante e apaziguador, que obriga o leitor a sair da sua zona de conforto tocando-o de forma indelével.
“O corpo chega aos outros sempre antes de nós, é portanto natural que parta antes de nós”.
1 Commentário
Foi o primeiro livro do autor. Seria necessário empregar tanto palavrão?
Gosto muito de ler, mas este livro deixa-me bastante triste…talvez os jovens aceitem bem, mas nós seniores…