“Podemos publicar os nossos pensamentos e fotografias em linhas, onde teoricamente poderão ser vistos por qualquer uma de milhares de milhões de outras pessoas. Nunca na história da humanidade existiu uma possibilidade para a liberdade de expressão como esta. E nunca os males da livre expressão ilimitada – ameaças de morte, imagens pedófilas, vagas de imundície e de ofensas — fluíram tão facilmente através das fronteiras.”
Porque o debate em torno da liberdade de expressão (ou a falta dela) não deve ser promovido apenas no 25 de Abril — dia em que a celebramos em Portugal —, mas manter-se vivo durante todo o ano, Timothy Garton Ash lançou “Liberdade de Expressão: Dez Princípios para um Mundo Ligado” (Temas e Debates, 2017), onde convida o leitor a uma conversa sobre o tema.
Num momento em que assistimos a uma aceleração assoberbada da comunicação, atestamos a dualidade apresentada pelo autor: “É mais fácil tornar as coisas públicas e mais difícil manter as coisas privadas”. Face a esta realidade, rapidamente nos questionamos se afinal isto representa um “grande potencial libertador” ou, pelo contrário, se “alberga um potencial opressivo, que inclui um ameaça à liberdade de expressão”.
Porque deve a expressão ser livre? Quão livre deve ser a expressão? Como deveria ser a livre expressão? Todas estas questões e muitas outras cabem neste livro, no qual Timothy Garton Ash rejeita a “aldeia global”, de McLuhan, defendendo antes uma cidade global, uma Cosmópolis virtual, “esse mundo como cidade misturado e interligado” em que “agora somos todos vizinhos”.
Na opinião do autor, “deveríamos limitar a liberdade de expressão o menos possível pela lei e pela acção executiva dos governos ou das empresas, mas fazermos correspondentemente mais para desenvolver normas e práticas compartilhadas que nos permitam dar o melhor uso a essa liberdade essencial”.
Neste propósito Timothy Garton Ash apresenta dez princípios, em modo “guia do utilizador”, fortes argumentos em prol da liberdade de expressão que se complementam e formam um conjunto coerente, que o autor diz terem sido amplamente discutidos com especialistas.
Força vital, Violência, Conhecimento, Jornalismo, Diversidade, Religião, Privacidade, Confidencialidade, Icebergs e Coragem — são estes os 10 princípios que o leitor pode encontrar explanados na obra, numa linguagem fluída, em que o autor procura de facto estabelecer uma conversa com o leitor, bem fundamentada — que motiva perto de 70 páginas de notas bibliográficas — e bastante desenvolvida, ideal para quem quer explorar a fundo este tema.
Ao longo da criação deste livro, uma questão assaltou o autor: “Se o teu tema é o mundo pós-Gutenberg, como podes contentar-te em escrever sobre isso apenas na antiga maneira de Gutenberg?” E assim nasceu o freespeechdebate.com, um espaço experimental com estudos de caso, entrevistas em vídeo, análises e comentários pessoais que provêm do mundo inteiro, e que convidam ao debate.
Podemos dizer que as abordagens deste livro “apenas arranham a ponta do icebergue, mas as ligações no livro pós-Gutenberg permitem-nos mergulhar e explorar as extensões subaquáticas de cada icebergue”. No final, Timothy Garton Ash deixa um desafio ao leitor, para que promova os princípios por si defendidos, “usando o poder do rato”.
“Defendo que a maneira de vivermos conjuntamente neste mundo como cidade é dispormos de mais e melhor liberdade de expressão. Uma vez que a liberdade de expressão nunca significou expressão ilimitada — todos bradarem o que lhes vem à cabeça, a logorreia global —, ela implica que se discuta onde se deverão situar os limites à liberdade de expressão e de informação”. Que se discuta, então, em liberdade.
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