Alexandre Herculano, escritor, poeta, jornalista e historiador, legou-nos importantíssimas obras e, de entre elas, surge a presente “História sobre a Inquisição em Portugal” (11×17, 2017), publicada originalmente em 1854, com uma intransigente verdade histórica sobre a nossa pretérita política de intolerância religiosa.
O livro (Tomo I, da trilogia inicialmente publicada) é metódico, obsessivo na documentação que reúne e extremamente organizado, fruto de uma integridade intelectual apurada e de um espírito que estudou incansavelmente o tema, apresentando uma plêiade de factos sociológicos e muito interessante do ponto de vista histórico-religioso.
É feita uma imprescindível análise sobre o aparecimento do sistema inquisitorial, na Europa e entre nós, demorando-se particularmente sobre a Inquisição Espanhola (Livro I) a partir da bula papal de 1478, de Sisto IV, na era dos Reis Católicos, e na acção de profundo horror conduzida por Frei Tomás de Torquemada, Inquisidor-Mor do Reino de Espanha.
Alexandre Herculano fala desassombradamente no facto de os inquisidores dos Tribunais, que proferiam as sentenças de morte, não serem “senão assassinos jurídicos”, descrevendo a barbárie e os horrores perpetrados em Espanha, fazendo expressa referência a uma horrífica construção feita para facilitar as execuções: “Construiu-se em Sevilha um cadafalso de cantaria, onde os cristãos-novos eram metidos, lançando-se-lhes depois o fogo. Este horrível monumento, que ainda existia nos começos do presente século, era conhecido pela expressiva denominação de Quemadero”.
Nos Livros II e III desta obra, o autor acompanha a situação dos judeus espanhóis refugiados em Portugal e observa meticulosamente as relações que se estabelecem entre a Inquisição e o poder político, especialmente durante os séculos XV e XVI. As descrições terríficas estão aqui centradas no reinado de D. João III após a efectiva implantação do Santo Ofício em Portugal, em 1531, por bula papal de Clemente VII dirigida ao futuro Inquisidor – Mor do Reino Frei Diogo da Silva.
Escreve o historiador a propósito do clima de suspeição e terror instaurado, por fervorosa intolerância religiosa, não só nos nobres mas sobretudo na plebe – essa sim “sedenta de sangue” – contra os judeus, muçulmanos, cristãos-novos e falsos conversos: ”Atenta a irritação dos ânimos, o único meio de conter a anarquia consistia em oferecer bastantes vítimas no altar da intolerância, consistia em substituir uma crueldade tranquila, mas activa e inexorável, à ferocidade turbulenta do vulgacho fanatizado”.
A organização deste Tomo I, com abundantes notas do autor, informa cabalmente o leitor sobre esta época de desmandos, a mais cruel inimiga do cristianismo e da humanidade.
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