Parece incrível mas, até há bem pouco tempo, era praticamente impossível encontrar nas livrarias portuguesas – e em português – um livro do norte-americano John Fante. Nascido em 1909 em Denver, Fante começou a escrever em 1929, tendo o seu primeiro conto sido publicado três anos mais tarde. Em 1938 publicou “A Primavera há-de chegar, Bandini”, romance que serviu de lançamento à saga de Arturo Bandini, que inclui ainda “Estrada para Los Angeles”, “Pergunta ao Pó” e “Sonhos de Bunker Hill“, todos entretanto já publicados pela Alfaguara, que assumiu o ideal do serviço público. Para além da saga Arturo Bandini, a editora publicou também o fantástico “Cheio de vida” e, mais recentemente, “1933 foi um mau ano“, uma cruzada individual que carrega às costas toda uma classe social e meio país.
Dominic Molise está a um ano de terminar o liceu, sonhando com o dia de deixar para trás a casa familiar. O presente, porém, não se afigura nada fácil: “Com bom ou mau tempo, havia certas forças no mundo que se conjugavam para tentar destruir-me“. O pai, com quem cumpre os serviços mínimos, é um pedreiro que vai ganhando – e por vezes perdendo – uns trocos extra no snooker, enquanto se entretém com aventuras extra-conjugais e noites bem bebidas. Quanto à mãe, vive numa infelicidade constante, levando a sua beatice ao ponto de ver a Virgem Maria passeando-se pelo galinheiro do quintal. É o jovem Dominic quem nos oferece uma imagem do desmoronamento conjugal: “Imaginei-os deitados na penumbra de diferentes mundos, partilhando a mesma manjedoura, como um burro e uma galinha. Homem e mulher, lado a lado, em dois ninhos de um colchão descaído, mas separados pelos vestígios de um casamento finado“.
O sonho de Dominic é tornar-se uma estrela do baseball, fazendo uso daquilo a que chama o seu Dom: um braço esquerdo fenomenal no qual esfrega, várias vezes por dia, um óleo pouco cheiroso (o linimento), e que faz dele o melhor jogador da equipa. Um sonho em que acredita na maior parte das horas, apesar de se ter fisicamente em pouca conta: “Media um metro e sessenta e dois e há três anos que não crescia um centímetro. Tinha as pernas arqueadas, os pés metidos para dentro e as orelhas pareciam abanadores. Tinha os dentes tortos e a cara cheia de sardas, como um ovo“. O seu melhor amigo é um miúdo ricaço chamado Kenny, cuja irmã constitui a grande paixão de Dominic que, no que toca a sentimentalismos e poder de sedução, é um verdadeiro nabo.
Preso numa cidade atravessada pela pobreza, Dominic percebe que para cumprir o seu sonho terá de juntar uns trocos e partir rumo ao desconhecido, uma vez que o pai espera que ele se torne, também, um pedreiro, preso eternamente à rotina dos pequenos vícios. Ainda em plena juventude, Dominic ver-se-á dividido entre a tradição familiar e a liberdade individual, entre cumprir as expectativas ou seguir um sonho incerto.
“1933 foi um mau ano” é um retrato potente de um país atravessado pela Grande Crise Económica dos anos 30, com um refinado sentido de humor a la Fante mas, sobretudo, habitado por uma angústia de todo o tamanho. Não é à toa que Fante se tornou no grande mentor de Charles Bukowski.
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