Os portugueses sempre deram cartas na área da literatura, tendo a história sido marcada por nomes de peso como Eça de Queirós ou Fernando Pessoa. Com o passar do tempo alterou-se a projecção e o alcance, mas a qualidade da escrita, essa, mantém-se poderosa. Prova disso é “O Paraíso” (Casa das Letras, 2017), um romance histórico escrito por Paula de Sousa Lima (finalista do Prémio Leya em 2016).
Uma aldeia está possuída pela sanha contra os pecadores e, certa noite, os seus habitantes ateiam fogo a uma casa, porque “o fogo há-de comer-lhes o pecado”. Há, porém, duas pessoas na aldeia – Ana e o Padre – que não se juntam à multidão, decidindo antecipar-se e salvar duas crianças de arder no fogo da purificação. O futuro das crianças será desconhecido para Ana e o Padre, cabendo ao leitor acompanhar a história destas duas personagens.
Estamos em 1810, ano da terceira invasão francesa pelo exército comandado por Masséna – a maior das três invasões. Da primeira invasão napoleónica, em 1807, resultou a fuga da corte para o Brasil, criando uma instabilidade significativa no ambiente político e económico nacional, tendo a corte regressado em 1822 após a pressão exercida na metrópole. Nesta terceira invasão, um soldado francês foge do seu posto de comando, tornando-se o centro da narrativa de “O Paraíso”.
Assiste-se também à queda da monarquia, no ano de em 1910, originada por múltiplos factores: a ameaça por parte da Inglaterra devido ao Mapa Cor-de-rosa, a bancarrota, os gastos astronómicos da Família Real ou a revolta popular. Um acontecimento vai provocar uma separação definitiva entre a Igreja e os órgãos governativos, aquando da instauração da República e de um Estado laico.
As personagens estão espantosamente bem construídas, servindo de base a uma narrativa igualmente impressionante. Toda a construção, mentalidade e gíria utilizadas enquadram na perfeição a época em que a história decorre: machista, de pensamentos arcaicos e com uma presença colossal da religião.
“Sempre incomensuravelmente dúctil deve ser a mulher e assim nunca mostrar qualquer evidência de desagrado perante as tarefas que lhe competem ou sequer em sua alma sentir contragosto pelo que lhe coube em sorte. De igual modo sempre muito obedientes deveis ser (…). Mostrai a vossa gratidão sendo dúcteis, sendo obedientes, sendo resignadas.”
A escrita de Paula de Sousa Lima em nada fica a dever a um Gabriel Garcia Márquez ou a um Jorge Amado, tal é a exploração primorosa que a autora faz das expressões e dizeres da época, numa narração fascinante que capta da melhor forma e sem preconceitos a sociedade portuguesa de finais do séc. XIX.
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