Para os estreantes na obra de Yasunari Kawabata, “A Casa das Belas Adormecidas” (D. Quixote, 2017) poderá provocar a estranha sensação de ter em falta algum detalhe, para que melhor se saboreie e se entenda as preocupações do autor. Talvez o realismo destas páginas aproxime ou choque por questões relacionadas com cultura, mentalidade ou até a diferença de idades.
O fim, a morte, a decadência e a velhice estão aqui muito presentes mas, também, a vida, os episódios de felicidade e as memórias, largamente associadas aos cheiros. Kawabata tem uma capacidade descritiva com pouca adjectivação e até pouco detalhe, que dêem corpo a cada cena. No entanto, as belas, as mulheres adormecidas, são descritas com requintes de uma pintura, finamente traçada e elaborada para cativar e prender o olhar.
“O velho ficou um momento com os olhos fechados. Isso devia-se também ao facto de o odor da rapariga ser extraordinariamente denso. Sabe-se que nada é mais propício a evocar as recordações do passado que os odores (…) Contudo, se ele pensava assim, não era isso sinal de que estava já demasiado velho? Um odor intenso e acre como o daquela rapariga não seria, também, o que estava na origem do nascimento do ser humano?”
São as memórias, despertadas por cheiros intensos, que levantam diversas questões ao velho Eguchi. Referências como a virgindade, a falésia ou o peso do sono colocam o leitor em dúvidas, buscando
significados mais esotéricos e mais ligados à volúpia. No entanto, pesam ideias como o desespero de envelhecer, a queda final do ser humano, o abismo de um último sono, tudo em confronto com a beleza
das virgens adormecidas que, na sua pureza de intocáveis, alimentam ainda mais a solidão.
No final fica todo um questionamento sobre erotismo e a sexualidade na terceira idade, juntamente com uma série de memórias controversas que pairam todo o livro ligando o personagem a anos mais prolíficos, bem como um pensamento constante: que tipo de humilhação surge nestas páginas?
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