Viajar não é fácil. Exige tempo ou dinheiro, coragem, vontade, curiosidade, estoicismo, desprendimento, liberdade de espírito, paixão pelo mundo, capacidade de solidão e, simultaneamente, de confronto com o outro.
Desde o princípio dos tempos, a paixão pela viagem fez os homens arriscar muito: recursos, conforto, família e, porventura, a própria vida; sempre foi, para muitos, um impulso irresistível, quer por fervor religioso, visitando os lugares santos, quer por curiosidade científica, cultural ou antropológica, quer por incompatibilidade com a rotina e as suas condições, ou por mero “horror ao domicílio”, usando as palavras de Baudelaire. Entretanto inventou-se o turismo, esse meio-termo entre viajar e estar em casa, e a viagem tornou-se menos difícil e arriscada, em parte porque o mundo se tornou pequeno e doméstico, por assim dizer.
Em “Mulheres Viajantes” (Tinta da China, 2014), Sónia Serrano vem falar-nos das viagens de mulheres ao longo dos tempos, assunto de que pouco se sabe pois, as mulheres, salvo as excepções, sempre estiveram afastadas ou impedidas de viajar, ou assim o pensamos. Sendo a casa e a vida privada o lugar das mulheres, enquanto o mundo o lugar dos homens, é normal que a viagem fosse propriedade e opção masculina. Não fazemos ideia da quantidade de mulheres que empreenderam viagens e viagens extraordinárias!
Este livro oferece-nos uma leitura muito entusiasmante – não tanto numa primeira parte em que a autora faz uma dissertação histórica e sociológica sobre o tema da viagem e das mulheres em viagem, a condição feminina, a difícil logística da viagem em recuados tempos, etc. Apesar do óbvio interesse dessas páginas, o conteúdo é mais ou menos esperado. Mas, numa segunda parte em que somos levados a acompanhar mulheres especialíssimas em viagens plenas de acontecimentos extraordinários, a leitura deste livro torna-se uma sucessão de aventuras sem fim que nos prendem fortemente.
Desde a remota Egéria, que da Península Ibérica do século IV parte para a Terra Santa, até Alexandra Lucas Coelho, contemporânea e única portuguesa desta obra, vamos conhecendo mais de 20 mulheres europeias, únicas e intrépidas, e as suas viagens para a América do Sul, para o Oriente – tremenda atracção – para África, desertos e montanhas, viagens à volta do mundo, viagens por melancolia e desespero, viagens alucinantes.
Existe viajar e existe escrever. Nada saberíamos destas mulheres e destes acontecimentos se elas não tivessem escrito diários, cartas, tratados descritivos de povos, costumes, intimidades domésticas, paisagens, flora, animais. Das que não escreveram e de quem nunca se escreveu nada saberemos. A literatura está na origem da viagem – a Bíblia é também um livro de viagens que originou muitas peregrinações! – e, no final, como resultado documental.
Sónia Serrano soube dar-nos uma colecção de retratos cativantes e pungentes de mulheres de grandes e importantes deambulações e, ainda, deixar-nos ouvir a sua voz. Um grande trabalho de pesquisa e um livro em que cada nome de mulher é um conto fantástico. Quando acabamos esta leitura apetece perguntar: o que faço eu aqui? Onde está o mapa?
2 Commentários
Não li o livro, mas ao ouvir nas 3 da manha da Renascença falar desta obra pensei logo numa amiga que vai adorar ler esta obra. E já encomendei.
Queria adequirir esta obra mas está esgotada alguém me pode ajudar queria oferecer no Natal. Obrigado.