“No dia 22 de Fevereiro de 2016 – por causa de uma veia que rebentou no meu estômago – morri e regressei à vida, num acontecimento que atravessou espaço e tempo separando e unindo em simultâneo.”
Esta frase representa o ponto de partida para o diário visual e escrito de uma quase tragédia, vivida na primeira pessoa pelo ilustrador António Jorge Gonçalves que, desde os seus seis anos – quando viu um dos seus desenhos ser elogiado pela professora primária -, nunca mais se surpreendeu com aquilo que as pessoas dizem dos seus desenhos.
A partir do momento em que a sombra da morte paira com a fulminante chegada e pronta partida de uma ambulância, ouve-se em surdina um “fui ao passado e não me encontrei“, como se assistíssemos a um twist na teoria de que, diante da face da morte, recordamos a vida num sopro.
É então que a viagem pelo mundo das sombras se faz, também, através dos olhos de uma criança, com idas ao circo e a uma feira de vaidades, tudo alternado com os pesadelos que vão chegando em linhas quase desconexas até que, quando a vida é reposta, se deseja que esta possa ser congelada num loop feliz: o de uma ida ao parque das crianças onde em suspenso fique a imagem de um baloiço a andar para a frente e para trás.
Ao preto e ao azul, as duas cores que são o oxigénio de António Jorge Gonçalves, junta-se neste “A Minha Casa Não Tem Dentro” (Abysmo, 2017) o vermelho, representação da morte, da estranheza, do terror e do desconhecido. Que a Abysmo continue a sua aposta nos livros ilustrados.
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