Não deixa de ser curioso que, depois da recomendada série Harry Potter, o regresso pela porta grande de J. K. Rowling às livrarias aconteça com o regresso ao fantástico, através de um guião intitulado “Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los” (Editorial Presença, 2017). Antes disso, a autora aventurou-se sem grande fôlego noutros géneros literários, fosse no romance com o aborrecido “Morte Súbita” ou, ainda, no policial, onde sob o pseudónimo de Robert Galbraith – o anonimato foi depois preterido em função das vendas -, editou três romances que vão virar séries da BBC.
Trata-se da estreia da escritora inglesa como argumentista para cinema, partindo de um pequeno livro seu com o mesmo nome onde Newt Scamander, mencionado pela primeira vez em “Harry Poter e a Pedra Filosofal”, se dedicava a compilar, de forma quase enciclopédica e geográfica, o que de mais monstruoso se poderia encontrar em todo o reino animal. Um livro que, a par de “O Quidditch Através dos Tempos” e “Os Contos de Beedle o Bardo”, reverteu para instituições de solidariedade como a Comic Relief ou a Lumos.
Esta derivação de Rowling para artes paralelas à literatura tinha já conhecido um outro capítulo, quando colaborou com o escritor Jack Throne e o encenador John Tiffany na peça de teatro “Harry Potter e a Criança Amaldiçoada – Partes 1 e 2”, em cena no londrino Palace Theatre.
“Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los” leva-nos até à cidade de Nova Iorque e ao ano de 1926. A comunidade mágica vive em permanente alvoroço, vítima de ataques em todo o mundo protagonizados por Grindelwald, que, tal como Darth Vader abraçou o lado mais negro da magia. “Algo assombra a nossa cidade, espalhando a destruição e desaparecendo sem deixar rasto!“.
Newt Scamander chega a Nova Iorque na altura em que a criação de criaturas mágicas é proibida, o que não o impede de trazer, na sua mala de viagem, algumas criaturas fantásticas. Uma delas, com o carinhoso nome de Niffler, tem um fascínio por objectos que brilham, mas há também Demiguise, uma criatura com o poder da invisibilidade e muito difícil de apanhar.
Quando as criaturas escapam da mala de Scamander, este terá de recorrer a todas as manhas para as recuperar, num cenário onde um senador é morto por aquilo que parece ter sido obra de um Obscuro, “uma força negra instável e incontrolável que surge de repente e ataca e depois desaparece“. Tudo com muito estardalhaço e um rasto de destruição ao nível de uma Guerra Civil à americana.
Nesta luta por recuperar as criaturas, mas também por fazer com que o mundo mágico olhe para elas com um instinto de protecção ao invés de uma sede de extermínio, Newt terá a preciosa colaboração de Tina, em tempos uma feiticeira de primeira água e agora colocada numa prateleira chamada Gabinete de Licenciamento de Varinhas, e de Jacob, um comum mortal que se vê atirado para a maior aventura da sua vida: “Não tenho miolos para imaginar isto“.
Há, nestas páginas, um universo que é todo ele comum a Harry Potter – até porque é o mesmo, ou não tivesse Scamander sido expulso de Hogwarts por, aparentemente, “ter posto em perigo vidas humanas” -, descobrindo-se ferros que engomam sozinhos, estendais que se sentam junto ao lume para secar roupa interior ou uma mala que é – e esconde – um mundo, fazendo a de Sport Billy parecer uma inofensiva pochette. Ou revistas tão na moda como “A Amiga da Feiticeira”, “Conversas de Feiticeira” ou “Transfiguração Hoje”, capazes de agitar qualquer quiosque ou banca de jornais.
J. K. Rowling está aqui como peixe na água, oferecendo aos leitores uma história com muito humor e ainda mais imaginação, não perdendo de vista um twist que parece ter sido desenhado por uma varinha mágica. A paginação é exemplar e, quanto à capa, está sem dúvida entre as mais bonitas que se imprimiram este ano.
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