Ensaio sobre o percurso das técnicas de visualização e sobre o lugar do observador, “Técnicas do Observador” (Orfeu Negro, 2017) é uma obra que incide sobre as mutações da representação e da percepção visual, sobretudo no período histórico situado após a ruptura entre as vertentes clássica e moderna. Trata-se de uma reflexão sobre a cultura visual, apesar do filão a explorar se situar na visão do século XIX, o que irá apelar a um ajuste entre as conclusões do autor ao tempo em que a obra foi escrita.
Torna-se evidente, com o decorrer da leitura, que um dos maiores interesses de Jonathan Crary é fazer uma correlação entre os estudos da História de Arte e a evolução da cultura visual ao longo dos últimos dois séculos. O objecto central de Crary é a camera obscura, que o autor classifica como objecto de “verdade visual” acompanhado de uma viagem pela sua importância histórica, onde são descritos vários modelos evolutivos.
Crary fez uma larga pesquisa sobre a camera obscura, sendo esse capitulo o mais extenso da obra onde se podem ler tratados de Gottfried Leibniz, Isaac Newton, René Descartes, John Locke e até Walter Benjamin, que discorrem sobre a compreensão humana determinada pelas sensações provocadas pela observação por via daquele objecto e “onde se concebe a visão através de analogias ao sentido do tacto”.
Há também um corolário proposto por Crary: há uma divisão entre o sujeito interior e o que observa no mundo exterior e a ambivalência entre conceitos como sujeito e objecto que, no fundo, são entidades separadas e independentes. “Interessa-me como o individuo enquanto observador se tornou objecto de investigação e foco de saber”, lê-se.
Para Crary, no século XIX a visão é o efeito de estímulos sobre o corpo. A isso é aliado o facto de o cinema e a fotografia serem uma prática visual cada vez mais frequente, associada à imposição do Realismo.
É dado realce à importância de um observador experimentado que suporta o progresso das artes visuais, estabelecendo-se um paralelismo entre o progresso do observador e o aperfeiçoamento feito em vários objectos, como o estereoscópio, feito para desenvolver novos conhecimentos fisiológicos. O leitor mais atento poderá também verificar que, muitas veze,s Crary traça paralelismos entre objectos da cultura popular e o progresso cientifico.
“Técnicas do Observador” é uma luta constante entre determinar as diferenças entre observador e espectador, mas também uma reflexão sobre o facto de fenómenos de cultura visual de massa estarem ligados a conceitos meramente abstractos da visão humana.
Esta edição da Orfeu negro é enriquecida com um prefácio de Delfim Sardo, que realça a extensão da pesquisa de Jonathan Crary desde o pensamento filosófico às relações deste com o pensamento científico. Extremamente difícil e exigente, a leitura de “Tecnicas do Observador” é, no entanto, um valioso registo histórico que analisa o aperfeiçoamento das tecnologias visuais.
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