Ao contrário de todos os anteriores livros, a acção de “Harry Potter e o cálice de fogo” (Editorial Presença, 2014 – reedição) está longe de ter lugar em Privet Drive, a habitação dos Dursley onde Harry viveu durante dez anos e que, agora, funciona como uma casa de férias parcial, onde recarrega baterias contra o poder da magia negra.
Estamos antes em Little Hangleton, na moradia dos Riddle, abandonada há muitos anos por estes e que se vai mantendo em pé, como que por milagre, pela já fraca prestação de Frank Bryce, o velho jardineiro que, 50 anos antes, foi acusado de assassinar três membros da família Riddle, encontrados mortos na sala de visitas com os olhos abertos e frios como gelo.
Porém, quando chega o relatório dos óbitos, impera a estranheza: para lá do simples facto de estarem mortos, os Riddle aparentam estar de boa saúde, desconhecendo-se a causa da morte. Bryce é assim libertado por falta de provas, regressando à casa dos ex-patrões perante a desconfiança dos vizinhos e a maldade dos mais novos, que não se cansam de lhe pregar partidas e arruinar o trabalho e o jardim.
Na noite presente, Frank Bryce ouve, na casa onde supostamente deveria estar sozinho, uma estranha conversa de onde saltam expressões como quidditch, Ministério da Magia e muggles, havendo uma palavra que sobressai perante as outras: Voldemort. Wormtail, um dos servos de aquele-que-nós-sabemos que havíamos encontrado no anterior volume da saga, jura, perante uma figura ameaçadora, ser um dos maiores apoiantes da causa negra.
Quanto a Harry Potter, este ano a sorte sorriu-lhe. Graças à Taça Mundial de Quidditch, irá passar os últimos quinze dias em casa dos Weasleys, onde é tratado como um dos seus. Mas nem tudo são boas notícias. Potter começa a revelar dotes visionários, parecendo entrar nos sonhos de Voldemort sem saber se este o está a controlar com vista a um fim maquiavélico. Além disso, a sua cicatriz começa a magoá-lo de uma forma cada vez mais intensa, o que significa que Voldemort está a ficar mais forte.
E, se dúvidas existissem sobre o possível regresso de Aquele-que-nós-sabemos, elas parecem desfazer-se durante a Taça de Quidditch, quando a Marca da Morte, o chamamento de Voldemort pelos Devoradores da Morte, aparece desenhada nos céus.
Entretanto, em Hogwarts, Dumbledore anuncia na reabertura do ano lectivo a realização do Torneio dos Três Feiticeiros, um evento que não se realiza há mais de um século e que foi criado há duzentos anos pelas três maiores escolas de feitiçaria da Europa: Hogwarts, Beauxbatons e Durmstrang. O torneio era organizado e cinco em cinco anos, até que o ónus de mortes se tornou demasiado elevado para se poder ignorar os números.
As tarefas irão ocupar todo o ano escolar, testando os feitos mágicos, a ousadia, os poderes de dedução e a capacidade de enfrentar o perigo dos três participantes, um por cada escola. O vencedor levará para casa 1000 galeões e os candidatos a participar neste grande torneio terão de ter mais de dezassete anos, o que exclui Harry Potter e amigos que, desta vez, parecem ter destinado um papel de espectadores ou meros apoiantes. Os candidatos terão de escrever o seu nome num pedaço de papel e colocá-lo no cálice de fogo, que imparcialmente escolherá o feiticeiro de cada uma das três escolas. Este ano, porém, o chapéu decide inovar e, estranhamente, escolhe quatro candidatos. O que, apesar dos protestos de algumas das escolas, não poderá ser apagado, pois a vontade do cálice de fogo é soberana.
Como sempre, não faltam as surpresas e novidades: as viagens-relâmpago através dos botões de transporte; Walter Moody, o novo professor de Defesa contra as artes negras, um feiticeiro que Dumbledore foi buscar à reforma e que tem um olho que não pára de se mexer – a sua alcunha é a de Professor Louco; a primeira paixão de Harry Potter que, no plano amoroso e sentimental, está a milhas do nível mostrado no quidditch; a nova lista de objectos proibidos em Hogwarts, que inclui coisas como iô-iôs gritantes, pratos com dentes ou bumerangues amolgados, num total de 437 itens; a obsessão de Hermione com os elfos domésticos, a quem pretende libertar da escravatura; as tarefas destinadas aos quatro campeões, que parecem girar à volta de três elementos – o fogo, a água e a terra.
Quando se poderia pensar que depois de três livros J.K. Rowling iria abrandar o ritmo ou colocar a imaginação em pausa, eis que o leitor se vê brindado com o melhor livro de entre os quatro primeiros, que funde mistério e fantasia com o aparecimento do lado político no mundo da feitiçaria. O separar de águas é inevitável e, daqui para a frente, nada será como dantes.
Outros textos da série:
“Harry Potter e a pedra filosofal”
“Harry Potter e a câmara dos segredos”
“Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban”
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