Jonathan Evison, autor bestseller de quatro romances premiados, apresenta “Esta é a tua vida, Harriet Chance” (Topseller, 2016). Depois do sucesso de ‘’Amigos improváveis’’, adaptado ao cinema pelo Netflix, é a vez de o autor brilhar através de Harriet.
Este é um exemplo de que não se deverá julgar um livro pela capa. Toda a conjugação entre o fictício e o real (o mar de papel amarrotado) e o barco-cruzeiro, que se confunde com as montanhas cobertas de neve, não resultou num capa feliz. O seu recheio, porém, faz este livro valer a pena. A história é primária, leve e com uma pitada de humor. Chega até a ser superficial. Mas depois de atravessar o manto simplista que a cobre, o conteúdo ecoa por um bom tempo.
Harriet Chance, viúva de 78 anos, embarca num cruzeiro até ao Alasca, prémio ganho pelo marido que, descobre mais tarde, não era destinado a ser gozado consigo. Neste cruzeiro executa um exercício de reflexão acerca de toda a sua vida, do que conseguiu alcançar e do que ficou por fazer.
Numa ponte entre o presente e o passado, acompanhamos a história de Harriet, uma americana que nasce com todos os sonhos do mundo em si. O narrador pode encarnar em várias personagens dependendo na forma como o leitor encara o mundo. Por aqui, vai assumir-se que a personagem é a Audácia – que mostra que o sonho de Harriet era ser advogada, à semelhança do pai, e ter uma família para reconfortar quando chegasse a casa. Será nestas idas ao passado que também o próprio leitor começará a fazer a sua própria reflexão.
“No próximo ano vou fazer o que me faz feliz”, é o que se ouve por aí. Mas qual a barreira que define que este é o momento para se fazer a viagem com que sempre sonhou? Ou estudar o idioma que sempre quis? Ou realizar o sonho que se colocou no fundo da gaveta das prioridades porque a vida corre lá fora e não há como fugir de certas responsabilidades? E aquele ‘’próximo ano’’ acaba por ser empurrado e nunca chega e, quando se olha em volta, já as oportunidades passaram.
“…Os dias vêm uns atrás dos outros… cada em de nós é uma soma de momentos e reflexões, acções e decisões, triunfos, fracassos e anseios.’’
A Audácia expõe também Harriet como uma mulher de coragem. Apesar de ficar no ar se alcançou ou não todos os sonhos que tinha em si, Harriet prova a sua bravura quando bate de frente com uma das cruéis doenças da velhice: o Alzheimer. Esta realidade de inúmeras famílias, que mete à prova a valentia do ser humano forçado a lidar com o definhamento de um ente querido – que num período de tempo não vai lembrar alegrias nem tristezas, nomes nem caras e que se tornará apenas num corpo vazio de pensamento e lembrança -, poderia ter sido mais explorada pelo autor, de forma a criar uma ponte de empatia entre o leitor e a própria história e, assim, trazer alguma profundidade ao livro.
Esta é uma história introspectiva, que obriga o leitor a fazer a sua própria introspecção. Estará o seu Medo a conquistar terreno à Ousadia? Relações familiares disfuncionais, traição e infidelidade, tudo isto é explorado da maneira mais suave e reducionista para que a meditação não se perca no enredo – que, a uma certa altura, se transfigura cliché. Talvez só no final de vida, como Harriet, se consiga absorver a verdadeira mensagem da narrativa. Até lá é mais ou menos assim:
“Esta é a tua vida, Harriet, sai para o mundo e finca-lhe os dentes.”
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