“Estas histórias percorrem os caminhos da existência perguntando-se se são trilhos da liberdade ou rotas do determinismo. (…) Somos livres ou estamos presos a um destino?”
Através de quatro contos, Éric-Emmanuel Schmitt leva-nos a reflectir sobre esta questão, no seu mais recente livro “Concerto em Memória de um Anjo” (Marcador, 2016). Desengane-se, porém, o leitor. Ainda que o título da obra nos remeta para uma aura angelical, aqui vai encontrar uma mulher que envenena sucessivamente os seus maridos, um escroque internacional que vende bugigangas religiosas fabricadas na China, um simples e honesto marinheiro e até um presidente da República apaixonado (ou talvez não tão apaixonado assim!).
Personagens diferentes em narrativas distintas, mas que possuem vários traços em comum. Em primeiro lugar, o facto de Santa Rita, padroeira das causas perdidas, assumir em todos um papel de “guia misteriosa das suas existências”. Em segundo, o tema do poder do homem decidir o seu próprio destino, de se redimir dos erros do passado, de poder “escolher a luz em vez da sombra” – “a evolução dos seres segundo as suas escolhas ou os seus traumas”.
Com uma escrita despretensiosa, expressiva e envolvente, Éric-Emmanuel Schmitt contrapõe a redenção à danação, o determinismo ao livre-arbítrio, mostrando diversas perspectivas sobre a questão e defendendo, no final, que “o homem não muda: corrige-se”.
Nas últimas páginas, o autor brinda-nos com um “diário de escrita”, que vem potenciar a reflexão do leitor e responder à sua habitual vontade em saber como surgiu a obra, que pensamentos acompanharam o autor ao longo da escrita e as conclusões que, no final, perduraram na sua mente.
Para aqueles que ainda não se renderam a este género literário, o autor tem para eles várias considerações no seu diário, onde defende que um conto é “um romance reduzido ao essencial”, que evita as “peripécias inúteis”, “condensa uma descrição numa sugestão”; no fundo, diz, “elimina as gorduras”, num trabalho que exige “horas de análise e de crítica”.
“Contrariamente ao que muita gente pensa, um livro de contos é um livro a sério, com um tema e uma forma”. Como o autor faz questão de sublinhar, estes contos têm autonomia que lhes permite serem lidos separadamente mas participam “num projecto global, com o seu início, desenvolvimento e conclusão”, e, por isso, o leitor só terá a ganhar em lê-los como um todo.
Quatro contos onde facilmente se entra em cada história, numa leitura curta mas que deixa sementes a germinar no pensamento, sobre a liberdade de decidirmos o que queremos ser. Como refere Éric-Emmanuel Schmitt: “Eu não faço um ramo juntando flores dispersas, eu procuro as flores em função do ramo”. A juntar as flores deste ramo está Santa Rita, um elo de ligação que tanta curiosidade suscita ao leitor e se mantém até ao fim.
“Rita, a padroeira das causas perdidas, a santa do impossível, surgiu como um diamante multifacetado nestas histórias. Por vezes, o seu brilho é irónico, outras provocador, às vezes cínico, outras portador de esperança. Santa Rita não é um objecto que explique nada, mas um objecto mediante o qual alguém se explica”.
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