Os Dursley, residentes no número 4 de Privet Drive, eram aquilo a que se costuma chamar de “família comum”. Nas palavras do Sr. Vernon Dursley, eram «o mais normal que é possível ser-se», olhando com desagrado tudo aquilo que fugisse à sua confortável e muito bem compartimentada forma de olhar a vida.
Quando numa cinzenta manhã de terça-feira sai de casa a caminho de mais um dia de trabalho, o Sr. Dursley encontra um cenário bastante diferente do habitual: gatos a lerem jornais, gente estranha com estranhas capas, corujas a esvoaçarem por toda a parte e, juram alguns, tempestades de estrelas cadentes.
Entretanto, quando a noite assenta em Privet Drive, já muito depois do Sr. Dursley chegar a casa e de a gente comum estar entretida dentro de portas, Albus Dumbledore e a Professora McGonagall, dois reputados representantes da Feitiçaria e membros de uma das mais afamadas Escolas de Feitiçaria e Magia, falam do desaparecimento de Valdemort que, como se só a pronúncia da própria palavra magoasse, é referido por (quase) toda a gente como Aquele-que-nós-sabemos – ou variações desta expressão.
Diz-se que Valdemort, a figura maior do mal, apareceu em Godric`s Hollow à procura da família Potter, tendo morto o casal Lily e James. Porém, quando tentou matar o pequeno Harry Potter, então com apenas alguns meses de idade, o feitiço virou-se contra si próprio, fazendo com que desaparecesse do mapa e a paz chegasse, finalmente, ao mundo da feitiçaria, depois de Valdemort ter andado a recrutar seguidores – os Devoradores da Morte – durante duas décadas.
Para Dumbledore, não restam dúvidas sobre o pequeno Harry Potter: «Ele vai ser famoso – um génio -, não me espantaria nada se o dia de hoje viesse no futuro a ser conhecido como o dia de Harry Potter – vão escrever-se livros a seu respeito, todas as crianças do mundo conhecerão o seu nome!». Até lá, Potter terá de crescer no seio da família Dursley – a tia Petúnia era irmão da mãe de Potter -, ficando a verdade reservada para mais tarde.
Toda a acção descrita anteriormente decorre durante o primeiro capítulo de “Harry Potter e a pedra filosofal” (Editorial Presença, 2014 – reedição), o livro de J.K. Rowling que mudou, para sempre, o universo da literatura fantástica, criando uma personagem que se veio a tronar num ícone para os mais jovens que, ao longo de sete aventuras literárias, viram o pequeno Harry Potter crescer, crescendo também com ele durante a infância e a adolescência.
Aproveitando a celebração dos 15 anos desde que começou a ser editada em Portugal a saga Harry Potter, a Editorial Presença lançou uma reedição especial dos sete livros que, para além de apresentar capas novas e inéditas, oferece um puzzle de sete peças onde, colocadas por ordem na prateleira, as lombadas mostram a Escola de Magia e Feitiçaria de Hogwarts numa paisagem nocturna, o lugar mágico onde os feiticeiros são formados durante sete anos.
Nesta primeira aventura, Harry Potter está a poucos dias de completar 10 anos de idade. É um miúdo que cresceu sem amor, tratado sem carinho pelos tios e desprezado pelo primo, um pequeno e imbecil obeso chamado Dudley – com a mesma idade dele -, que o olha como um saco de pancada. Harry vive numa pequena dispensa por baixo de umas escadas, na companhia de muitas aranhas. Em casa dos Dursley foi-lhe pedido para seguir muitas regras, entre as quais a mais importante é esta: nunca fazer perguntas. Se esquecermos as personagens de Dickens, provavelmente teremos em Harry Potter um dos casos mais sérios de maus tratos infantis nascido em terras de Sua Majestade.
A vida de Harry Potter parecia estar destinada ao anonimato e à tristeza, até ao dia em que chega uma carta a si dirigida, pouco tampo antes da entrada no liceu. Mesmo que o tio tente impedir por todos os meios que Harry leia a carta, queimando envelopes, selando janelas e mudando de casa, o remetente parece conhecer todos os passos dos Dursley, mesmo quando estes se refugiam numa moradia inóspita que balança de forma periclitante à beira-mar. Entregue em mão a Harry por Hagrid, um homem enorme de cabeleira farta e ar primitivo, a carta anuncia que Harry Potter é um feiticeiro, e que tem um lugar à sua espera na Escola de Magia e Feitiçaria de Hogwarts, deixando para trás o mundo dos muggles que são, afinal, os seres não-mágicos com que tem vivido nestes dez anos.
Harry parte com Hagrid rumo ao Caldeirão Escoante, um bar que nas traseiras esconde uma entrada secreta para Diagon-Al, uma espécie de Freeport da feitiçaria onde é possível comprar de tudo, seja capas de feiticeiro, caldeirões para experimentar feitiços e poções, animais de estimação ou varinhas mágicas; e que esconde, também, o Gringotts, um banco dirigido por duendes onde os pais deixaram a Harry uma pequena fortuna e de onde Hagrid levanta um pequeno embrulho, que contém um segredo muito bem guardado. Compras feitas será tempo de partir rumo a Hogwarts, num comboio que espera por si na plataforma na plataforma nove e três quartos, para abraçar um destino que lhe está reservado desde o berço.
“Harry Potter e a pedra filosofal” é o cartão de visita de Harry Potter e de todo o encanto de Hogwarts, apresentando lugares, objectos e personagens que irão atravessar toda a saga ao lado de Harry: o chapéu seleccionador, que os alunos do primeiro ano colocam na cabeça para saber a qual das quatro equipas – Gryffindor, Hufflepuff, Ravenclaw e Slytherin – se irão juntar; o Quidditch, o desporto-rei dos feiticeiros, jogado com vassouras e quatro diferentes bolas; os gémeos Fred e George Weasley, a dupla que detém o insuperável recorde de partidas e diabruras da Escola; o sardento Ron Weasley, que vive do que vai herdando dos seus irmãos mais velhos, o (futuro) melhor amigo de Harry; Hermione Granger, faladora compulsiva, cumpridora de regras e marrona por natureza, que será o ponto de equilíbrio para Harry e Ron; Neville Lonbottom, um desajeitado e nervoso rapaz que está sempre a perder o seu sapo; O Professor Snape, que ensina poções e sabe muito de magia negra, que tem como sonho poder ensinar a disciplina de Defesa contra as artes negras; a Professora McGonagall, especialista na arte da Transfiguração e a mão que dirige a escola a par de Dumbledore; Dumbledore, o director de Howarts e, diz-se, o único feiticeiro temido por Valdemort; Peeves, o intratável fantasma que tem por passatempo fazer o maior número possível de avarias e partidas a professores e alunos; Filch, o carrancudo encarregado, que tem como missão apanhar os alunos em falta, contando com a ajuda da gata Mr. Norris; a Dama Gorda, personagem que vive no quadro que serve de porta de entrada ao reino dos Gryffindor; Nick quase-sem-cabeça, o fantasma dos Gryffindor que foi vítima mortal de uma decapitação que correu mal; Draco Malfoy, um irritante miúdo nascido em berço de ouro que se irá tornar no inimigo número um de Harry Potter (ele e Snape).
Primeiro livro de uma saga como poucas, “Harry Potter e a pedra filosofal” revela toda a mestria de J. K. Rowling na construção de um pequeno universo que, servindo-se da magia, acaba por abarcar toda a dimensão humana. Um triunfo da imaginação que fará sonhar pequenos e grandes leitores, e que tem já um lugar de destaque na história da literatura. Obrigatório para todos os amantes de boa Fantasia.
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