“Quem domina os sonhos, domina o mundo. Quem domina os cabelos, domina as mulheres. Quem domina a capacidade de reprodução das mulheres, domina também os homens. Quem mantém as mulheres satisfeitas, satisfaz também os homens e quem trata das pessoas ansiosas por cabelos e bebés é para elas um rei.”
“Norma“, de Sofi Oksanen (Alfaguara, 2016), é um livro misterioso que fornece ao leitor um enredo com redes mafiosas, relações familiares complexas e poderes inexplicáveis, com uma ténue fronteira entre a desordem mental e o sobrenatural, entre a perversão e a oportunidade.
Norma, jovem adulta, reservada e dedicada a uma vida familiar restrita, subitamente sem mãe, percebe que esta usava o segredo de ambas para negócio. Seria possível sentir em cada mulher o prolongamento de si, o cheiro, o arrepio de se perceber fonte e condição da sua satisfação? Após a súbita e misteriosa morte da mãe, Norma aproxima-se de Marison, de Lambert e da rede de negócios da família, que vão desde o comércio de cabelo, em especial das cobiçadas extensões ucranianas, até à gestação por substituição ou barrigas de aluguer. Aceitar a proposta de Marison era a única maneira de Norma descobrir o que tinha acontecido à mãe, reconstruindo os seus últimos meses de vida.
Anita tinha planos para o futuro de Norma: cuidarem-se mutuamente e descansar, brindar ao futuro e concluir a sua missão de mãe, pagando o preço pela vida que lhe dera. O reencontro com Lambert, anos depois, reavivou as memórias de outros tempos que disfarçou. Procurou incessantemente a proteção de Norma e do seu segredo. Procurou reunir provas do efeito de Lamber na vida de Helena, psiquiatricamente internada e da sua responsabilidade na vida de mulheres retidas em clinicas de fertilidade. Ao mesmo tempo, procurava gerir a curiosidade que Norma geraria, protegendo-a dos holofotes, da polícia, dos jornalistas e da curiosidade que despertaria e que a transformaria numa atracção circense ou em mais um caso psiquiátrico.
A acção é contemporânea: Finlândia, 2013. Através da narrativa retratista de Sofi Oksanen, consegue-se acompanhar os personagens vivendo-se a intensidade do mistério, entrando no enredo, sentindo-se o garrote que sustem a protagonista.
A loucura de Helena, a maldade de Lambert e dos seus testas de ferro, o papel dúbio de Marison e de Alvar, os desaparecimentos misteriosos e as semelhanças entre Norma e Eva, em épocas diferentes, camufladas e ainda assim vulneráveis ao oportunismo. Hipertricose ou cabelos dotados de poderes naturais, qual Rampuzel. Tudo ingredientes seguros para bons momentos de mistério e informação garantidos por Sofi Oksanen, uma das mais promissoras escritoras finlandesas já com outros romances publicados em Portugal, também pela Alfaguara: “A Purga” (2011) e “Quando as pombas desaparecem” (2015). “Norma” é o seu quarto romance, deixando em aberto a possibilidade de ser continuado, quer pelo desfecho como pelo interesse despertado no leitor. Fica suspenso o conflito central de Norma consigo mesma, com o mundo e com a teia de negócios e de relações desenhada ao longo do enredo. Facilmente se adivinham mais conflitos e núcleos dentro da mesma lógica.
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