Argumentista e romancista, Sarah Lotz tem mostrado ao longo da sua carreira uma certa afeição pelo macabro e, sobretudo, pela utilização de nomes e identidades falsas. Entre outras coisas escreveu livros de terror urbano sob o pseudónimo S.L. Grey, uma série de zombies de nome Deadlands – escrita a meias com a sua filha Savannah sob o pseudónimo Lily Herne – e delírios eróticos a título colectivo. É, porém, em nome próprio que assina “Os Três” (Saída de Emergência, 2014) o seu último livro, um misto de fantasia e terror que, fará certamente, as delícias dos fãs de Stephen King – autor que, aliás, lhe tece um rasgado elogio na capa.
O dia 12 de Janeiro de 2012 ficará para sempre conhecido como a quinta-feira negra. Praticamente em simultâneo, quatro acidentes de avião têm lugar em quatro diferentes pontos do globo. O mundo fica atordoado com a trágica coincidência, exigindo que as autoridades encontrem as causas que motivaram os acidentes. Com o terrorismo e os desastres ambientais fora da equação, não parece haver uma explicação ou causa que pareça fazer sentido, para além do facto de ter havido uma criança sobrevivente em três dos quatro acidentes.
Intituladas de Os Três pela imprensa internacional, as crianças apresentam alguns distúrbios comportamentais, presumivelmente causados pelo horror que experienciaram e a insana pressão exercida pela comunicação social. Pressão essa que se torna ainda mais intrusiva quando um culto religioso, liderado por um fanático, insiste que as crianças são três dos quatro profetas do Apocalipse, dando início às buscas da quarta criança. A verdade, porém, parece estar muito longe da palavra de Deus.
Sarah Lotz faz uso de diferentes formatos de história oral, escrevendo um livro dentro do livro assinado pela jornalista Elspeth Martins: “Quinta-Feira Negra – da queda à conspiração”, um relato não ficcional sobre a tragédia. As vozes sucedem-se, as perspectivas variam, o estado inicial de confusão vai caminhando subtilmente até ao território da inquietação, entre uma mistura de entrevistas, recortes de jornal, uma biografia inacabada e a publicação de mensagens trocadas online entre amigos das vítimas.
Apresentando um olhar irónico do mundo, preso à vontade de acreditar em algo de grandioso, Sarah Lotz oferece ao leitor um thriller que, para lá de uma clara provocação – ao jornalismo, à religião, à ideia de Humanidade -, é também um acelerador natural da tensão arterial. A evitar por leitores que olhem para os aviões com desconfiança.
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