“O meu próximo romance será sobre as armadilhas e as ciladas que nos prega a memória, essa puta tão distinta.”
Quem o diz é Juan Marsé, logo nas primeiras páginas de “Essa puta tão distinta” (Dom Quixote, 2016). Um exercício introspectivo que, mascarado de trama policial, divaga no território da meta-ficção, num exercício em que Marsé nos ilude com os mecanismos da escrita e da forma ardilosa em como esta manipula a realidade para espremê-la num pedaço de escrita.
A trama gira à volta de um escritor que recebe uma encomenda para um guião de cinema, que pretende contar a história de um velho assassino que, trinta anos antes e numa espécie de surto alzheimeriano, matou uma prostituta, apesar de não se recordar de tal ou do motivo que esteve por detrás do crime.
Cedo o escritor irá entrar em contacto com o ainda mais ardiloso mundo cinéfilo, que desde cedo decide trocar a história do assassino pela de uma puta cega, amiga da vítima, muito mais vendável em termos de bilheteira. Uma história com contornos políticos, sempre a caminhar no limite da escrita algo rebuscada de Marsé, que mostra como o passado e a verdade histórica podem ser manipulados, apenas para servirem como formas menores e falsas de entretenimento.
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