“Muito poucas eram as cartas escritas nesses tempos difíceis que não fossem tocantes, em especial a que os pais enviavam para casa. Naquela, o pai pouco dizia sobre as provações passadas, sobre os perigos enfrentados ou sobre as saudades de casa. Era uma carta alegre, esperançosa, repleta de descrições animadas da vida em campanha, das marchas e das notícias militares, e só no final o coração do seu autor transbordava de amor paternal e de saudades das suas meninas que haviam ficado em casa.”
O catálogo dos grandes clássicos literários internacionais continua a marcar a Guerra & Paz: são obras direccionadas para todos os leitores, que procuram mais leveza num enredo – como “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” – ou um pouco mais de exigência, como aconteceu com “O Amante de Lady Chatterley”. Os clássicos são livros que perduraram ao longo de várias gerações, contra o esquecimento e passados de mão em mão por diferentes leitores. “Mulherzinhas” (Guerra e Paz, 2016) insere-se nesta categoria: das que quebram barreiras temporais e continuam, até aos dias de hoje, a passarem por todo o tipo de leitores.
Direccionado para o público juvenil – momento da vida em que, na maioria dos casos, se descobre tantas sensações e sentimentos pela primeira vez, à flor da pele –, na história destas Mulherzinhas o leitor acompanha a vida das irmãs March: Meg, Jo, Beth e Amy. Afectadas pela Guerra Civil Americana, com a ausência do pai no seio familiar para desempenhar as tarefas como Capelão do Exército, estas quatro irmãs não se podem deixar levar por luxos e vaidades: ajudam a mãe nas tarefas domésticas, cumprem os deveres escolares e fazem os seus pequenos trabalhos para ganharem algum dinheiro e, desta forma, terem a possibilidade de viver as suas pequenas extravagâncias. Todo o dinheiro é contado e administrado cuidadosamente durante o período de guerra, em que as possibilidades e incertezas crescem por não existir uma data certa para o fim do terror. Com uma vida honesta e simples, entre os momentos sérios e de lazer, as vidas das quatro jovens ganham um pouco mais de alegria a partir do momento em que travam amizade com Laurie, o vizinho solitário que vive unicamente com o seu avô na grande casa ao lado.
Um clássico como “Mulherzinhas” é uma moeda de dois lados: se uma das características diferenciadoras é a capacidade de resistir ao tempo – como qualquer em bom clássico –, por outro lado realça-se, neste enredo, a perspectiva de Louisa May Alcott sobre o papel das mulheres na sociedade, ainda tão longe dos progressos atingidos nos dias de hoje. Nesta história não se esperam comportamentos revolucionários às protagonistas ou capacidades para transformarem o mundo à sua volta. Estas quatro mulherzinhas gerem a sua vida por pequenas alegrias e simples feitos, marcados pelas reflexões colocadas por Mrs. March em momentos-chave do livro. Através das suas atitudes, no momento em que começa a perceber um comportamento mais egoísta de uma das suas filhas, coloca-lhes questões fundamentais ou comporta-se para originar essas reflexões: num momento tão vulnerável para as pessoas, necessitam assim tanto de mais vestidos para levar a mais festas? Sabem o trabalho que dá cuidar de uma casa e de uma família com cinco elementos? Para esquecer a destruição causada pela guerra, unicamente mencionada ao longo da história e com a ausência do patriarca March, centra-se a atenção nos sonhos, nos erros, nas amizades e nas brincadeiras destas jovens.
A simplicidade dos acontecimentos, num enredo em que o êxtase é o momento em que o amor floresce para uma das irmãs, é acompanhada por uma escrita sem muitos adornos e palavras esquecidas para embelezar o conteúdo. “Mulherzinhas” é um dos mais belos casos de autores que se inspiram à sua volta para escrever: as irmãs March são inspiradas nas irmãs de Louisa Alcott: é a sua família que está desenhada através das suas palavras para milhões de leitores. É a beleza do crescimento e o significado do amor familiar – provavelmente um dos mais puros de todas as histórias – que faz destas “Mulherzinhas” um dos melhores clássicos juvenis de sempre.
A prova veio de forma imediata com o número de vendas em Maio de 1868. Apesar das reticências iniciais em publicar este livro, a autora escreveu no seu diário, no final de Outubro desse mesmo ano, que a primeira edição esgotou e “querem vender mais”, na esperança de chegarem aos “três ou quatro mil [exemplares] antes do Ano Novo”. Com a Guerra & Paz, a curiosidade mantém-se: resta continuar a leitura com o recém-publicado “Boas Esposas”. Num momento em que os reality shows – por outras palavras, a curiosidade pela vida alheia – ainda permanecem, nada melhor do que conhecer a vida das jovens March.
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