Após dois anos de silêncio, a NABO – Núcleo Apático das Brigadas do Ócio – volta às edições com “O Fim da Noite”, uma edição limitada de 100 exemplares – com capas pintadas à mão – que dá a conhecer a poesia de Cobramor, um praticante do stream-of-conscience. Colocámos algumas questões a Miguel Palhinha e Ricardo Filho de Josefina, fundadores da NABO, e também a Cobramor, autor do livro que será hoje (6 Outubro, 18h30) lançado na Rua das Gaivotas, 6.
Para quem se assume como um Núcleo Apático das Brigadas do Ócio (NABO), o pecúlio de edições já se estendeu para lá de uma mão cheia: “O Fim da Noite” é o sexto livro a ser lançado pela editora, ainda que tenha havido um hiato de dois anos desde a publicação de “Hombre”. Depois de cinco títulos dedicados à fotografia, o que levou agora à derivação para a poesia?
Miguel e Ricardo – Quando decidimos começar com as Publicações NABO tínhamos o intuito de abranger várias áreas que nos interessam e onde conhecemos pessoas com grande talento. Os primeiros cinco acabaram por se focar em fotografia talvez porque ambos (Miguel e Ricardo) estamos ligados a ela. Na verdade, existiram outros livros de áreas diferentes que têm vindo a ser adiados, mas não esquecidos.
“Carlitos”, o primeiro livro com o selo da Nabo, foi – como se pode ler no site – “uma homenagem ao local que inspirou a criação das Publicações NABO.” De onde nasceu a ideia de criar uma editora dedicada a lançar livros de tiragens mínimas vendidos?
Miguel e Ricardo – Nós crescemos no meio da cultura punk/hardcore onde há um grande espírito do Do It Yourself, quer seja fanzines, discos, demos, etc. e quisemos transpor essa ideia para a editora – como tal não nos faz muito sentido fazer grandes tiragens. Somos uma editora pequena e independente e colaboramos sempre com vários amigos na criação dos livros (desenho das capas, design) e achamos que as tiragens ao serem limitadas tornam o objecto mais especial e único.
Que papel está reservado às pequenas editoras num país que está dominado pelos grandes grupos?
Miguel e Ricardo – Os grandes grupos dominam o país e o mundo há muito tempo, não é algo recente, pelo que pensamos que o papel se manterá. Quando retiras o lucro como o teu único objectivo, dás-te maior liberdade para criar e apostar em coisas novas e que te motivem. Fazendo o paralelismo com a indústria discográfica, o facto de estar completamente dominada pelos grandes grupos nunca nos impediu de encontrar as bandas e editoras com que nos identificávamos e, isto, numa altura em que a Internet mal existia – ela veio facilitar muito a divulgação dos pequenos editores/autores.
Há, pode-se dizer, um fascínio da NABO pela fotografia analógica. O mundo é um lugar diferente quando capturado por uma lente que, depois do clique, vive na incerteza até que surja a revelação?
Miguel e Ricardo – Sem dúvida, há que reintroduzir quer o erro quer o mistério. Como sociedade estamos obcecados pelo perfeito e imediato, a fotografia analógica para nós tem mais essência pois transporta-nos para esse lugar incerto onde a espera da revelação por vezes é mais excitante.
As tiragens são sempre limitadas. Neste “O Fim da Noite” serão lançados 100 exemplares, numerados e com capas pintadas à mão. Por que razão optaram por esta personalização?
Miguel e Ricardo – A ideia surgiu da Desisto que colaborou connosco no design do livro, adoramos a ideia pois vai um pouco mais além de simplesmente numerar os livros à mão na tentativa de criar objectos únicos.
O design faz parte do ADN literário da editora? Como surge a ligação da NABO à Desisto, responsável pelo design deste “O Fim da Noite” e a personalização destes 100 exemplares?
Miguel e Ricardo – Sim, desde a concepção da editora que o design esteve muito presente. Queremos criar uma identidade que atravesse todos os livros independentemente do que tratem. Sempre trabalhámos com designers e ilustradores amigos, como a Cláudia Guerreiro, que desenhou o nosso logotipo, o Bráulio Amado e a Sara Feio, em publicações anteriores, e a Desisto não é excepção, são super criativos e motivaram-nos imenso. Costumamos partilhar mesa em diversas feiras e o convite surgiu numa dessas ocasiões: já que partilhamos a mesa porque não um livro também?
Alguns dos títulos anteriores estão esgotados. Estão previstas algumas reedições?
Miguel e Ricardo – Nunca digas nunca, mas para já não. O caminho é para a frente e há muito tempo para perder.
Herdeiro do stream-of-conscience. É desta forma que é apresentado Cobramor, o autor dos poemas que habitam este “O Fim da Noite”. O que é isso de se ser praticante do stream-of-conscience?
Cobramor – O stream-of-conscience seria algo como canalizar o inconsciente directamente para o papel, sem intervenção do cérebro. Essencialmente é ser escrito ao invés de escrever, deixar fluir e não pensar no que está a acontecer. Correndo o risco de parecer prepotente, gosto de pensar que é isso que se passa comigo. Claro que depois há um trabalho de edição, mas basicamente é deixar escorrer para o papel.
No prefácio diz-se que “não há esquina nesta cidade onde o mundo não esteja quase a acabar”. Será este um livro de poemas urbanos com o fim do mundo à vista?
Cobramor – Acredito que se alguém tem uma plataforma para se expressar, então deve fazê-lo da forma mais interventiva possível e, para mim, não faz sentido haver criação – e particularmente o acto de escrever – se não for com um intuito incendiário e de inspiração. Claro que isto é o que pretendo, se o consigo ou não, já é outra história.
O tédio é o grande motor da criatividade?
Cobramor – O tédio é um sentimento que existe na vida da maioria das pessoas de forma sub-reptícia, na medida em que nascemos para vidas já formatadas, nas quais somos forçados a encaixar. Acredito que o conflito que nasce entre aquilo que é esperado de nós e aquilo que brota do nosso âmago gera uma forma de fricção que dá origem à criatividade. Esta pode é ser expressada de formas diferentes, mas não há nenhum ser humano que não faça uso dela, consciente ou inconscientemente.
Já se sabe qual será o próximo NABO a saír da púcara?
Miguel e Ricardo – Há vários nabos a serem cozinhados nas nossas mentes, em papel nenhum. Mas algumas sementes estão já quase a germinar, mal podemos esperar.
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