Ainda que sem recorrer a feitiços, passagens secretas ou vassouras voadoras, a verdade é que houve um outro Potter antes de Harry. Ou, neste caso, uma Potter, de seu nome Beatrix.
Helen Beatrice Potter nasceu em Londres a 28 de Julho de 1866, no seio de uma família da alta burguesia inglesa. Educada de acordo com as rígidas convenções da sociedade vitoriana, acabou por ser uma criança solitária, tendo trocado a escola pelo ensino através de preceptoras. Uma educação esmerada, que incluiu disciplinas como Pintura ou História Natural.
Cresceu rodeada de animais – cães, coelhos, ratos, sapos, lagartos, borboletas… -, tendo passado os Verões em Dalguise, na Escócia e, a partir de 1992, na região dos lagos, em Inglaterra, locais que fizeram parte do seu imaginário e acabaram por se reflectir nas suas histórias. Histórias essas que nasceram em cartas dirigidas aos filhos da sua perceptora Annie Carter – com quem criou um vínculo muito forte -, que acabou por dar o impulso final para que Beatrix se dedicasse de corpo e alma às histórias para crianças.
Para ganhar algum dinheiro criou com o seu irmão vários postais ilustrados, sobretudo com coelhos e ratos, tendo também vendido algumas ilustrações para livros de versos infantis. O seu primeiro livro a ser publicado foi “A História do Pedro Coelho”, em 1901, numa edição de autor – havia recebido a recusa de seis editoras – de 250 exemplares que desapareceram num ápice. Depois da segunda e bem-sucedida edição, a Frederick Warne & Co. – uma das editoras que haviam rejeitado inicialmente o livro – decidiu publicá-lo, insistindo apenas para que as ilustrações, originalmente desenhadas a caneta preta, fossem coloridas. Potter tirou partido das novas técnicas de impressão da altura para reproduzir as aguarelas finais e, em 1902, o livro chegou às livrarias. Um ano depois estava já na sexta edição e contava com mais de 50000 exemplares vendidos.
Potter foi, aliás, uma pioneira na forma de abordar o merchandising. Para além das ilustrações e dos livros, criou bonecos, jogos de tabuleiros ou livros para colorir, o que lhe garantiu uma independência financeira desviada para a compra de propriedade rurais da Região dos Lagos, onde casou e se dedicou à pecuária e à conservação da natureza. E, claro, aos livros: entre 1902 e 1930 publicou 23 pequenos livros ilustrados.
Serve esta introdução para apresentar “Contos Completos 1” (Pim! Edições, 2016), o primeiro de uma edição comemorativa em quatro volumes sobre os 150 anos do nascimento da autora lançados pela nova Pim! Edições – uma nova chancela Europress/ Ponto de Fuga -, que irá compilar a totalidade dos seus contos, muitos deles inéditos em Portugal. Como complemento, o último volume irá apresentar algumas ilustrações e histórias publicadas a título póstumo, a partir do espólio de Potter, que faleceu aos 77 anos – 22 de Dezembro de 1943 – vítima de pneumonia e problemas cardíacos. Desta edição em quatro volumes ficou apenas de fora “The Fairy Caravan”, a sua obra mais extensa – para crianças maiores – e as três narrativas a ela associadas.
Neste primeiro volume o leitor é presenteado com seis histórias, onde cada página tem o ar de um poema ilustrado. “A História do Pedro Coelho” segue o lema clássico de dar ouvidos às mães; “A História do Esquilo Trinca-Nozes” mostra-nos um esquilo impertinente e insolente que quer trabalhar pouco ou nada e ser o rei das adivinhas; “O Alfaiate Velhote” passa-se “no tempo das espadas, cabeleiras postiças, casacas com roda e lapelas floridas, quando os fidalgos usavam folhos e coletes de seda e tafetá debruados a renda doirada“; “A História do Coelhinho Casimiro” retoma a história do Pedro Coelho, que está com frio porque tem a sua roupa pendurada num espantalho que guarda a horta do perigoso Sr. Francisco; “A História dos Dois Ratinhos Marotos” é o caminho da redenção de dois roedores com dificuldade de entender que numa casa de bonecas quase tudo é a fingir; a fechar temos “A História da Senhora Pisca-Pisca”, onde uma menina chamada Lúcia está constantemente a perder os seus lenços de assoar. Uma belíssima edição que nos leva ao lugar da História onde começaram a ser desenhadas as primeiras histórias infantis do século XX.
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