“Não me interessa ser conquistada. Não me interessa seduzir, ou sair, ou que me mintam, o que normalmente acontece. Gosto de escolher. É por isso que gosto de ir a festas, porque essas porcarias chatas já estão todas tratadas; ninguém vai a uma festa à procura de uma alma gémea para se entreolharem e se verem reflectidos nos olhos um do outro. Viver sozinha, no mundo real, é mais complicado.”
Se há livros capazes de levar o mais simples leitor a um novo universo, totalmente distante da sua realidade, um deles é este “Maestra” (Editorial Presença, 2016). Entres os dias preenchidos por horas na monotonia do emprego, pelas notícias badaladas por surpresas económicas ou de vidas privadas – há que saber a que se quer chegar – Lisa Hilton, conhecida neste momento como L.S. Hilton, consegue os quinze minutos de fama no mundo literário: com uma boa dose de liberdade sexual, marcas caras no corpo da sua protagonista e uma viagem pelo submundo das obras de arte. Depois do público prestar atenção a Christian Grey, o homem tão desejado de “As Cinquentas Sombras de Grey” devido ao seu gosto peculiar em território sexual como forma de esquecer os seus fantasmas pessoais, chega a vez de Judith Rashleigh fazer-se valer da satisfação que obtém no sexo. Mas desenganem-se todos os que esperam obter uma intemporal narrativa de amor.
“Maestra” é, na sua essência, uma história caracterizada de ausência. Não existe qualquer tipo de pudor, humildade ou dificuldade. Judith Rashleigh explora a sua paixão pela arte como assistente da British Pictures, uma conceituada leiloeira situada em Londres. Após um ano de estágio, completado com todo o seu empenho, acredita começar a sua escalada rumo ao sucesso entre os amantes de obras de arte, mas rapidamente se apercebe de que é provavelmente a única a dar importância ao que há de mais belo no negócio. (“Depois, apercebi-me de que os carregadores, os tipos que transportam os quadros, são provavelmente os únicos que se importam com eles. Para os restantes, até podiam vender fósforos, ou manteiga.”) Na British Pictures, apercebe-se de que o mais importante é viver o dinheiro que é facturado, os negócios com duques desesperados e “oligarcas socialmente ansiosos” por se livrarem dos quadros que têm nas paredes das suas mansões e as relações – perversas e sexuais, na maioria dos casos – em que se obtém sempre algo em troca.
No entanto, paixões não pagam despesas e, num bom enredo, nada acontece ao acaso. Ao deparar-se com Leanne, na linha de metro de Piccadilly, nem imagina que está a poucos passos de explorar um mundo novo e ganancioso. A elegante Judith, protegida pelo envolvimento de um mundo de negócios socialmente atraente, deixa-se seduzir pelo dinheiro fácil que obtém como acompanhante no Gstaad Club “às quintas e sextas-feiras à noite”. A sua única função é fazer companhia aos homens que a escolhem, deixando-os pagar todas as bebidas que estão dispostos a oferecer: é desta forma que vê a sua conta bancária a subir. E é a partir do momento em que viaja com um dos seus melhores clientes e com a sua amiga Leanne que tudo começa a desmoronar-se à sua volta. Um ambiente de perversão acaba por dominar esta Maestra.
Em entrevista à Sábado, L. S. Hilton afirmou que seria a diversão o ingrediente para o interesse do público pelo seu livro. “É um livro divertido – em inglês temos uma expressão, tongue in cheek [a língua na bochecha; não é para levar a sério o que se está a dizer]. Quis fazer um livro em que as pessoas virassem as páginas ansiosas por chegarem ao fim”. O resultado é bem conseguido. O ingrediente de suspense, a cada novo esquema engendrado por Judith para triunfar no submundo das obras de arte, capta eficazmente a atenção. Associada ao erotismo, “Maestra” consegue chegar a despertar a atenção por ter uma personagem tão desequilibrada e radical: uma mulher viciada pela obtenção de sucesso, que passa por cima de quem tem de passar. Todos os ideais nobres e altruístas, associados ao mais puro dos heróis, está longe de ser prioridade para Judith.
“Em teoria vivemos um tempo em que o sexo está liberalizado. Na verdade, acho que as mulheres são mais julgadas no seu comportamento sexual do que há uma geração. Acho que as mulheres ainda se autocensuram, se sentem envergonhadas sobre os seus apetites sexuais.” Judith Rashleigh é a forma de combate contra a autocensura feminina. Uma mulher com objectivos definidos, uma beleza apurada e sem preocupações com os pensamentos alheios. Envolvida num enredo de acção e aventura, exemplos deste tipo de heroína não faltam na história da literatura, mas há que saber aproveitar os quinze minutos de fama à mínima oportunidade. “Maestra” é uma promessa de sucesso, pelos ingredientes colocados ao longo da história, e é capaz de deturpar os mais nobres e puros corações.
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