A Alfaguara traz-nos o primeiro romance do muito badalado escritor/pensador/filósofo francês Michel Houellebecq. O grande interesse deste livro está na descoberta (ou não) de como se começa a construir um sucesso editorial e, ao mesmo tempo, uma personagem que transcende o mundo literário. Houellebecq é uma vedeta da intelectualidade, um novo Sartre dizem alguns, um pensador iconoclasta cuja excentricidade se pode comparar à da figura maior do movimento Pop Art Andy Warhol, ou cujas ideias arrojadas se batem de igual para igual com as do ícone da filosofia Friederich Nietzsche.
O que é que o editor viu neste romance de estreia? Porque é que apostou em Michel Houellebecq? São perguntas muito pertinentes na medida em que “Extensão do domínio da luta” (Alfaguara, 2016) não tem qualquer brilhantismo literário, nem surpreende pelo estilo ou complexidade das personagens.
Houellebecq assume um alter-ego informático e descreve um determinado período da vida do protagonista. Percebemos, rapidamente, que a conciliação da narração e evolução do livro como romance e a vertente filosófica não encaixam bem. As teorias de Houellebecq caem como um corpo estranho no meio da história. Os defensores do autor poderão dizer que os diálogos de uma vaca bretã e de uma poldra, logo no segundo capítulo, são uma pedrada no charco, uma forma genial do autor emprestar um peso terrível à solidão do narrador. Porém, enquanto técnica narrativa, estas considerações sobre a vida animal, ainda que metáforas cruas sobre a falta de humanidade, não ajudam a encontrar um ritmo narrativo que transporte a obra como um todo – sente-se uma quebra.
O autor não constrói personagens com profundidade e, à excepção do narrador, aposta em personagens-tipo. Tisserand, colega de trabalho, é a personificação do tipo profissional, falhado no amor por falta de beleza e auto-estima. Catherine Lechardoy, funcionária do Ministério da Agricultura, representa a mulher vã e fraca por se sentir mal-amada. O chefe, personifica o tipo oco e bem-parecido que subiu pela lábia proverbial e o bom-aspecto. As personagens desvendam, sem grande mistério, as principais franquezas da humanidade e, a interacção do protagonista com angústias, futilidade, solidão e dúvidas existenciais, levam-no à “quase loucura”.
Voltemos, assim, à questão inicial: o que viu o editor de especial, como conseguiu farejar o sucesso retumbante de Michel Houellebecq?
Apesar de não se revelar um grande escritor ou um contador de histórias exímio (mas isto já não é novidade para quem leu outros romances do escritor francês), Houellebecq aborda de forma corajosa os temas fracturantes da sociedade contemporânea, pondo a nu as grandes fraquezas da humanidade e alertando para o grande perigo do advento da tecnologia sobre a sociedade. À medida que nos afastamos uns dos outros perdemos o contacto com a realidade, com a nossa essência, e sentimo-nos vazios sem saber muito bem porquê. A sensação de termos tudo mistura-se com o medo de não sermos ninguém.
Este aviso à navegação é uma constante nos livros de Houellebecq e a “Extensão do domínio da luta” tem todos os ingredientes do sucesso: uma escrita algo selvagem, um pensamento tão livre que parece fugir da linha narrativa, uma linguagem desinibida e o reflexo constante do pensamento do autor. A vontade explícita de abanar instituições e abalar dogmas reflecte-se aqui num ataque deliberado ao Ministério da Agricultura e à cidade de Rouen.
Nos livros de Michel Houellebecq, as dicotomias estética versus razão e técnica versus paixão são visíveis e fracturantes, mas o resultado da razão aliada à paixão deu nisto: sucesso!
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