“Uma Boa Mulher” (Clube do Autor, 2016), escrito por Jill Alexander Essbaum, é um livro sobre intimidade, com todos os riscos que uma afirmação tão peremptória comporta. Anna, 37 anos, casada, mãe de três filhos, envolve-nos num jogo de identidades e de segredos, em que o eu e o outro se encontram e se estranham, tecendo labirintos em que a sua vida íntima é percorrida. Os pensamentos e a sua vida interior são um guião secreto e imprevisível, o seu comportamento o modo como tudo acontece, numa bifurcação de impulsos, dilemas e decisões.Palavras-chave são várias: eu; escolha; amor; necessidade; desejo; delírio; compulsão; auto-determinação; motivação; emoção; vergonha; culpa; consequência.
“Anna era uma boa mulher, a maior parte do tempo”. Norte-americana a viver há nove anos na Suíça, com Bruno, gestor bancário suíço, debate-se com dificuldades de integração que atribui ao pragmatismo e correcção dos suíços, e um sentimento de solidão permanente, insegurança, distância relativamente aos valores da comunidade em que se encontra e incapacidade de estabelecer relações satisfatórias. Uma sensação com impacto na sua capacidade de tirar partido da estabilidade material e familiar que reconhece, toldando-lhe o pensamento, as emoções e a sua capacidade de controlo de impulsos. Como se sobrevive num país com quatro idiomas não sendo poliglota? Numa sociedade com uma longa história de neutralidade, funcionalidade e desenvolvimento, mas também conservadora, com um quotidiano marcado pela pontualidade, a precisão e o perfeccionismo?
Com Anna viajamos pelas relações amorosas e a forma como evoluem e se transformam. A narrativa concede ao leitor uma intimidade intensa, entrando no limiar de privacidade, da vida pessoal e sensual da personagem, pressentindo-se gestos, odores, até o arfar das respirações. Possuidora de um comportamento temerário conduz-nos com familiaridade pela descoberta dos seus mais recônditos desejos, sem disfarces, numa descoberta de si própria ao sabor das situações em que se vai envolvendo, deixando cair defesas, enfrentando repressões, inibições e tabus. Gere e envolve-nos no medo e na descoberta da sua própria intimidade interior e física. “Existe alguma diferença entre culpa e vergonha?” Podemos postergar os nossos desejos? Por que caminhos nos conduz a culpa? Será a passividade uma opção para lidar com o conflito? Amor ou concupiscência? Dilemas premonitórios de uma epifania não previsível.
A todo o momento Anna socorre-se da psicanálise, procurando transformar-se “numa pessoa melhor”, ainda que tal não signifique sentir-se melhor, tornando acessíveis conflitos internos, alguns dos quais inconscientes, evocados através dos sonhos, dos actos falhados e da associação livre.
Primeiro romance de Jill Alexander Essbaum, “Uma Boa Mulher” tem sido elogiado pela crítica e pelos leitores, chegando a ser comparado a “Madame Bovary” e “Anna Karénina”. Os ingredientes estão lá: o retrato realista e crítico da mulher e da sociedade na sua totalidade, mostrando a face menos revelada do quotidiano desgastante, do amor adúltero, da falsidade e de algum egoísmo. Jill Alexander Essbaum é autora de várias colectâneas de poesia e o seu trabalho tem surgido em antologias. Neste seu romance de estreia revela arte, intensidade e liberdade narrativa de estados emocionais e relatos situacionais, num registo de erotismo omnipresente e desprendido.
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