Richard Ford não constitui novidade para o público português. Longe disso. Trinta anos depois de “O Jornalista Desportivo”, a que se seguiram “O Dia da Independência” e “A Pele da Terra”, o autor traz-nos de volta Frank Bascombe, ex-agente imobiliário, agora com sessenta e oito anos, reformado, a viver em Haddam, um subúrbio de New Jersey, no rescaldo do furacão Sandy.
Organizado em quatro capítulos, “Francamente, Frank” (Porto Editora, 2016) serve-se de Frank Bascombe para, sensivelmente seis semanas após o furacão Sandy, abordar temas estruturantes relacionados com a catástrofe, natural e emocional, comportando registos de perda e renovação. Frank revisita e revive experiências pessoais que julgava definitivamente arrumadas, como seja a casa onde vivera e vendera, agora devastada pela tempestade, até ao amigo com o qual não contactava há anos e que agora se apresenta em estado terminal. Omnipotência ou ausência. A verdadeira dimensão que a catástrofe revela: “…restitui a vida à sua verdadeira dimensão, que é algo em que vale sempre a pena repararmos quando não nos sentimos como pensávamos que devíamos sentir-nos”.
O furacão Sandy, ciclone tropical que no final de Outubro de 2012 afetou a Jamaica, Cuba, Bahamas, Haiti, República Dominicana e alguns estados da costa leste dos Estados Unidos – entre eles Nova Iorque e Nova Jersey -, revelou-se devastador a vários níveis, estando-lhe associado um custo emocional e psicológico significativo. Através de Frank apercebemo-nos da necessidade subjacente dos sobreviventes, superando estados de híper vigilância ou de entorpecimento emocional.
Para Frank Bascombe a reforma e a perda de protagonismo profissional, o envelhecimento e a degradação física surgem em harmonia com a serenidade e a abnegação, o desprendimento e a libertação do compromisso que não consigo próprio. O mote “estou aqui” surge a certa altura como um grito de resistência, de elevação e sobrevivência, de afrontamento da lassidão de valores em sociedade que toca o racismo, o sexismo e o desvalor da idade, retrato da sociedade americana no seu egocentrismo e híper valorização do sucesso e o ganho individual. A aceitação da diferença e a prática da solidariedade surge distante, por vezes instrumental, com a função de acalmar o “eu predefinido”, o que é certo ou, pelo menos, esperado ainda que diminuído de sentido – “toda a gente sabe de tudo e não sabe o que fazer com o que sabe”.
“Francamente, Frank” é um daqueles livros que devemos evitar prognosticar. Aprisiona pela sua natureza intimista com o protagonista, a forma como este processa e gere ideias, vivências do quotidiano – por vezes banalidades -, fazendo-nos cúmplices dos seus estados emocionais. A tranquilidade de quem conhece e aceita os seus limites e os limites dos outros, tornando a vida menos perturbada por desconfianças, medos e conclusões equívocas. No cômputo, sinais de saúde emocional, conseguidos após uma caminhada que pôs de parte a omnipotência para uma percepção e progressiva aceitação dos limites individuais.
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