O livro tem quase trinta anos mas a história, essa, permanece bastante actual nos dias de hoje, ainda que muitos dos comportamentos entre sexos se tenham, felizmente, alterado. “Uma feliz catástrofe” (Kalandraka, 2014), escrito por Adela Turin no ano de 1975, conta a história da família Ratão, que morava «num modesto buraco entre a cozinha e os arrumos de uma casa burguesa numa bonita zona da cidade.»
Patriarcal dos sete costados, a família era composta por 10 elementos: o Sr Ratão, um «rato muito elegante, orgulhoso do seu grande bigode e da sua voz retumbante»; a senhora Florentina Ratão, «modesta e dócil», que «tinha sempre a casa limpa e perfeitamente arrumada»; os filhos Teddy e Toby a as filhas Nacy, Nora, Nelly, Nutsy, Nanette e Nina, sempre «todos bem escovados e alimentados.»
Os dias em casa da família Ratão eram marcados pela rotina, pode até dizer-se por uma cinzenta monotonia, que agradava, sobretudo, ao senhor Ratão: Florentina cozinhava de acordo com os caprichos e vontades do marido, tendo ainda de lavar a louça cuidando de não fazer barulho com os testos das panelas; a sede de aventura dos filhos era apenas alimentada pelas histórias que o pai lhes contava, onde este último surgia como a personagem principal e única; o senhor Ratão era deixado em paz quando chegava do trabalho, entregue ao jornal, às pantufas, às notícias da rádio e ao sossego, na companhia de um aperitivo e de um cigarro.
Porém, num dia que tinha acordado com as cores da normalidade, tudo mudou com a chegada de uma catástrofe, que fez com que um mar de água entrasse pelo buraco adentro, transformando em pedaços aquilo a que se tinham habituado a chamar de lar. Com o pai no trabalho, cabe à senhora Florentina organizar sozinha a salvação de todos os seus oito filhos, refugiando-se na gaveta de um velho armário abandonado no sótão. Nessa noite, quando chega a casa, o senhor Ratão percebe que algo mudou e, provavelmente, para sempre. E que, muito estranhamente, a mudança poderá ter sido para melhor.
Mais do que um alerta sobre a desigualdade, “Uma catástrofe feliz” é um livro que acredita e impele à mudança, mostrando que a felicidade, numa família, só será possível quando todos tiverem espaço para viver as suas próprias aventuras, partilhando tarefas e histórias, cânticos e silêncios, alegrias e tristezas. Tudo isto perfumado com as ilustrações muito coloridas de Nella Bosnia, que captam na perfeição toda a dinâmica de uma família numerosa.
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