No Largo do Carmo não houve sequer tempo para abrir o mapa e decidir aonde rumar: fomos logo acolhidos por voluntários daquela que prometia ser uma noite única num serão dedicado aos livros e aos seus autores. Noite que permitiria ainda visitar e usufruir de espaços emblemáticos que tão bem completaram o roteiro literário.
Nesta que já é a 4ª edição da Noite da Literatura Europeia havia uma novidade: um passaporte ou uma caderneta, muito ao jeito da dos peregrinos, que nos convidava a receber carimbos após termos assistido às leituras de cada país convocado. E assim foi!
Iniciámos a nossa Peregrinação até ao Vertigo Café, que recebia as actrizes Daniela Gonçalves e Olinda Favas (foto de destaque) que leram de forma irrepreensível “O Leque Arrepiado”, contos humorísticos e mordazes de Ann Cotten, premiada contista austríaca.
Rumámos à Calçada do Sacramento para ouvir Ulisses Ceia e Joana Almeida, que tão bem acolheram a visita da Morte. O espaço não podia ser o mais indicado, já que estávamos no Terreiro Místico da Igreja do Santíssimo Sacramento. As leituras foram do livro “Sophia, a morte e eu”, numa aclamada estreia do escritor alemão Thees Uhlmann.
Os espaços em geral ficaram todos bastante preenchidos e na Rua Nova da Trindade era visível o entusiasmo e os bons comentários sobre as leituras e os livros que se ouviam. Para nós, foi tempo de ouvir a prosa do multipremiado escritor Andrés Trapiello, o espanhol que ficcionou um romance em torno de todos aqueles que conheceram D. Quixote e que, por isso, deixaram também de pertencer ao anonimato. A leitura de “Quando D. Quixote morreu” (Saída de Emergência) esteve a cargo de Ângelo Torres, com uma prestação pouco à altura da narrativa. No entanto, a Biblioteca da Santa Casa da Misericórdia esteve à pinha.
No mesmo edifício tivemos a oportunidade de visitar a Sala de Extracções da Lotaria onde decorreram as leituras bastante empolgadas sobre os Mumins, uma família de trolls criada pela finlandesa Tove Jansson (1914-2001). Paula Sá Nogueira e Raimundo Cosme leram “O Cometa na Terra dos Mumins”, num cenário que povoa a infância de muitos de nós onde, noutros tempos, se assistia à extracção dos números da lotaria.
Continuando a peregrinação, chegámos ao Claustro do Museu de São Roque para ouvirmos Ana Celeste Ferreira, que elevou ainda mais o já premiado “As Primeiras Coisas” do nosso Bruno Vieira Amaral. As leituras avivaram as personagens do Bairro Amélia e despertaram, de certeza, novos leitores para o livro que fez a rara proeza de arrecadar 4 prémios: Fernando Namora, PEN Narrativa, Livro do Ano Time Out e, ainda, o Prémio José Saramago.
A noite já ia longa e a colecção de carimbos já nos permitia concorrer ao sorteio de um dos dez livros a passatempo, mas estava tudo tão bom e bem organizado que continuámos até à República Checa para sermos de novo surpreendidos. Instalada na livraria daquele que é hoje o livreiro antiquário mais antigo em actividade, João Rodrigues Pires recebeu-nos e conversou sobre a Livraria “O Mundo do Livro”, aberta desde 1946. Aqui demorámo-nos a apreciar algumas gravuras e relíquias, que nos fizeram perder a sessão da Grécia. As leituras da selecção de poemas do checo Jakub Réhák estiveram a cargo do próprio autor, que os leu em checo e de Tiago Patrício, que colaborou na tradução. O espaço envolvente não poderia ter sido melhor escolhido e conferiu o ambiente intimista pretendido.
Faltava-nos conhecer “O Purista – Barbière”, outrora Livraria Barateira, um espaço destacado pelo ambiente de requinte e tradição. Nesta incursão ao passado, a média luz convidava a uma cerveja e um assento recostado para ouvir Ricardo Silva, numa leitura bastante emotiva de excertos do livro “A Estação da Sombra” (Antígona), de Lénora Miano, oriunda dos Camarões mas radicada em França, sendo uma das vozes francófonas mais destacadas da sua geração.
Itália e Roménia ficaram para o final com duas vozes bastante acarinhadas: Pedro Lima e Mónica Calle, respectivamente, que deram outra aura aos textos que interpretaram. Na Academia de Amadores de Música ouviu-se música, mas também Filippo Tuena, lendo em italiano, excertos do seu livro sobre os últimos anos de Schumann. No átrio do Teatro da Trindade a boca de cena foi divida entre a atriz Mónica Calle e o poeta romeno Nicolae Prelipceanu.
A EUNIC Portugal proporcionou efectivamente uma peregrinação única e recheada de bons momentos literários, elevando de ano para ano a qualidade desta iniciativa que completa muito bem outros programas, até mesmo literários, que ocorrem em simultâneo na cidade de Lisboa.
Fotos: Paulo Teles.
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