Lisboa é Lisboa e o resto é paisagem, relembra a frase feita e já de bigode e barba, mas foi de facto fora de Lisboa que se esquadrinhou a paisagem de alto a baixo. Entre 16 e 22 de Maio, o Festival Literário da Gardunha e a cidade do Fundão – com um pulinho dado a Alpedrinha – olharam, entre o espírito literário e o puro (e duro) academismo, as várias vertentes da paisagem e o que esta esconde e oferece ao ser humano, entre viagens de curta ou longa duração.
Nos dois dias – 21 e 22 de Maio – orientados para o público, César Antonio Molina abriu o livro com uma conferência sobre o paraíso dos cavaleiros andantes, protagonizando o regresso a um mundo feito de sombras e sonhos onde o desejo do inalcançável apareceu, quinhentos anos após a morte de Cervantes, renovado.
O ex-ministro da Cultura espanhol protagonizou uma viagem através do clássico “Dom Quixote” que, pelo caminho, atravessou outros territórios como a Eneida, o Inferno, Robert Walser, Roland Barthes ou Arthur Rimbaud. Desde logo, Molina deixou a sua visão global sobre o património da viagem: “Nem todos os escritores são caminhantes, mas grande parte da literatura é feita de viagens.”
Muito interessante acabou por ser a recta final da conferência, em que Molina se interrogou sobre a ideia – e a vivência – da liberdade nestes tempos de mudanças radicais, em que o tempo desapareceu e o espaço começa a ser povoado de drones. Para Molina, para além da necessidade imperiosa de se definir o que é, afinal, a liberdade num mundo onde somos controlados de todas as formas, há que reconhecer as suas formas mais válidas, como a paisagem, a natureza e o pensamento. E o caminho que se faz caminhando, tendo na literatura uma pequena farmácia destinada a ir curando os males da alma. “Por isso, caminhemos”, fechou Molina uma conferência magistral.
Estava dado o mote para dois dias de conversas, muitas vezes cruzadas e ligadas entre mesas, isto porque a ausência de um tema específico para cada conversa permitiu que a repetição se desse a espaços. Num ano em que as cerejas decidiram não aparecer, o Festival Literário da Gardunha viajou dos Descobrimentos à Literatura como construtora de paisagens e, fosse pelo olhar libertário do escritor como pela rectidão e purismo de um académico, foi definida talvez a máxima da edição deste ano: apesar da relação da paisagem com o infinito, onde o sentimento do sublime convida à nostalgia e ao espanto, uma paisagem será sempre uma relação construída a três, na qual o olhar humano – e a sua presença – é fundamental.
Ficam algumas das frases que apanhámos enquanto nos espantávamos com a paisagem de uma serra feita de pedras.
“Os portugueses são preguiçosos mas muito imaginativos.” (Fernando Dacosta)
“A nossa língua é feita pela viagem, pelo mar, pelo oceano.” (Fernando Dacosta)
“Na ficção não me interessa a verdade, apenas a verosimilhança.” (Ana Margarida Carvalho)
“A Viagem à Índia tem muito a ver com a ideia de desvio.” (Gonçalo M. Tavares)
“Não preciso de viajar para me sentir perdida.” (Ana Margarida Carvalho)
“A paisagem entedia-me se não tiver seres humanos.” (Gonçalo M. Tavares)
“A Filosofia tampouco se pode alhear da metáfora.” (Fernando Guimarães)
“A paisagem não é só espaço, isso é coisa de engenheiros.” (Adriana Veríssimo Serrão)
“Não me parece que possa prescindir do infinito, ou dos infinitos.” (Fernando Guimarães)
“Uma paisagem é sempre uma relação a três.” (Helena Buescu)
“Um poema é sempre uma expressão linguística da ambiguidade.” (José Viale Moutinho)
“O tédio está muito mal visto.” (Pedro Dias de Almeida)
“Não vale a pena ter o pescoço cortado por um par de jeans.” (Clara Ferreira Alves)
“Não é o meu estilo ir para a montanha deglutir o cogumelo.” (Clara Ferreira Alves)
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