Porque nem só com clássicos para gente grande se faz a grande Literatura, a bruáa acaba de publicar “O Urso Que Não Era” (bruáa, 2016), uma obra-prima escrita em 1946 que, em qualquer época da história que seja lida, será sempre um retrato irónico e muito acutilante sobre aquilo a que nos habituámos a chamar de civilização.
O Urso que se passeia pelas páginas desta história sabia aquilo que todos os ursos tinham de saber para sobreviver: que, quando os gansos voavam para sul e as folhas começavam a cair das árvores, era sinal de que o inverno estava para chegar e que, em breve, a floresta ficaria coberta pela neve. Era então altura de hibernar para sonhar com a chegada de dias mais quentes.
Porém, quando acorda uns meses mais tarde, tudo está mudado. Em vez da acolhedora e tranquila floresta, o urso tem à sua espera uma enorme fábrica e um mundo que parece ter abdicado das árvores e da relva. O pior, porém, ainda está à espreita. Ao passear pela fábrica, todos lhe dizem que ele não é um urso, mas sim “um homem tonto que precisa de fazer a barba e usa um casaco de peles.” A certa altura e depois de passar por incontáveis gabinetes, visitar um circo e conhecer os supostos pares do jardim zoológico, o urso começa seriamente a pensar que talvez não passe mesmo de “um homem tonto que precisa de fazer a barba e usa um casaco de peles“, tratando de ocupar o seu lugar na linha de montagem e assumir o papel de uma pequena roda na engrenagem humana.
Através do absurdo e com muito humor, Frank Tashlin aponta baterias à condição humana, bem como às muitas ameaças a que a identidade individual é sujeita em nome de uma massa comum que não admite desvios à norma.
As ilustrações, feitas num fino traço preto sobre a alternância de páginas brancas e azuis, são de uma rara beleza, seja quando se passeiam por entre a neve e as folhas ou quando mergulham na velocidade e no ruído do mundo industrial. Um livro maravilhoso que aproxima os mais novos do terreno da distopia, e que mostra que a individualidade é algo que deve ser preservado com unhas e dentes. Mesmo que, para tal, seja necessário hibernar durante uns meses.
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