Nascida em São Paulo, Brasil, no ano de 1975, Andréa del Fuego recebeu em 2011 o Prémio José Saramago pela obra “Os Malaquias”, livro que contava a história de três irmãos que perdiam os pais, electrocutados por um raio saído de dentro de uma tempestade. Agora, em “As miniaturas” (Porto Editora, 2014), a escritora brasileira propõe um exercício Kafkiano que apresenta uma equação onde o sonho e a realidade surgem como potências elevadas.
Estamos no Edifício Midoro Filho – alusão a Artemidoro de Daldis, maior autoridade na Grécia Antiga sobre a interpretação dos sonhos, uma referência para Freud –, um marco imponente plantado no centro da cidade, feito de dezenas de andares empilhados através de uma arquitectura sóbria e muito funcional.
Neste edifício não existe uma corporação bancária ou um hino ao sistema financeiro representado por escritórios que vivem na obscuridade de vidros fumados. É, antes, o reino onde habitam os oneiros, espécie de psicanalistas transviados que, ao invés de escutarem, induzem sonhos nos seus pacientes, recorrendo a esculturas plásticas em miniatura que se relacionam com as letras do alfabeto.
Cada oneiro atende sempre as mesmas pessoas, que não se podem conhecer entre si ou manter algum grau de parentesco. Porém, dado que o infalível é algo que não faz parte do Edificio, o oneiro onde está centrada a história de “As miniaturas” percebe que tem diante de si um rapaz que é filho de uma das suas clientes. A partir deste erro, que decide não declarar à cúpula, vai abandonando o rigoroso código de conduta que havia seguido ao longo de toda uma vida, deixando-se envolver pela vida do rapaz e da sua mãe, uma taxista que sobrevive como pode após o desaparecimento do marido.
A história é-nos contada a três vozes – pelo oneiro, uma mãe e o filho desta -, sempre com a presença de elementos surreais onde cabem tanto vidantas como copos de leite. Porém, apesar de apresentar um mundo onírico onde é possível experienciar ao mesmo tempo a fábula e a existência terrena dominada por regras e capital, falta a “As miniaturas” alguma irreverência e regularidade narrativa, que desse a este pequeno romance um maior – e sobretudo mais arrumado – índice kafkiano. Dá a sensação de que, algures no caminho, se perdeu uma ideia genial, tendo as duas linhas narrativas – a do oneiro, de um lado, e a familiar, do outro – divergido tanto que, nesta viagem pelo mundo dos sonhos, não mais se conseguiram encontrar.
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