“Gosta-se de uma quinta como se gosta de um marido, de uma mulher, de um velho amor a que dedicámos muito tempo e quase todas as nossas energias. Aprendemos a gostar dela quando éramos crianças, por via de uma felicidade genuína, espontânea, à primeira vista, no sol da infância e nos dias azuis.”
“Oculta” (Quetzal, 2016) é o mais recente romance de Hector Abad Faciolince. A perspectiva deste colunista que vive em Bogotá é a de uma Colômbia desde o seu baptismo como Nueva Granada, colonizada de negros, espanhóis, missionários, judeus, mercenários e cafezeiros, até se tornar num país que começa a abrir-se ao progresso.
Ainda que a espinha do romance seja a história da família Ángel, o apeadeiro é La Oculta, a propriedade que a família detém há séculos. O livro delineia-se a partir do paralelo casa/passado, onde três irmãos – Eva, Pilar e António (Toño) – exprimem os seus pareceres com três vozes muito distintas.
Toño é apaixonado pelo passado, empenhado em reconstruir os passos da família desde a sua chegada às encostas de Jericó. Homossexual, teve de deixar o meio fechado da Antioquia (que qualifica de tosco, homófobo e racista) para poder viver sem preconceitos em Nova Iorque.
Eva narra, sobretudo, as suas aventuras amorosas e um episódio que macula as lembranças felizes de La Oculta: aquele em que paramilitares e a máfia local se juntaram para tentar expropriá-los da sua terra.
Pilar é a irmã um tanto tacanha, que nunca saiu da Colômbia, porém plenamente resolvida no amor. Vive um casamento de várias décadas e valeu-se do seu pragmatismo e zelo para cuidar da família, personificando assim a tradição e o imaginário do povo colombiano.
O ritmo do romance é bem compassado, ainda que as personagens fiquem um pouco aquém e, até meio do livro, se pareçam um pouco com decalques já encontrados um pouco por toda a literatura: Toño, efeminado desde pequeno por ter sido cuidado pela mãe e pelas duas irmãs, que abomina o trabalho braçal, cuida das mãos e não gosta de brincadeiras de rapazes, casado com um gay artista (e sensível); Eva, mulher sem defeitos, linda, inteligente, várias vezes casada e outras tantas divorciada, amante de desportos e um tanto leviana; Pilar, a “matrona” que dedicou a vida aos interesses da família.
Algumas asserções podem gerar controvérsia, como a de que “as mulheres não querem saber do passado” por serem práticas e viverem para as tarefas do dia-a-dia e para os desafios conforme estes se lhes apresentam, enquanto o homem parece um passo à frente na racionalidade e, na busca nas entrelinhas do seu passado, descobre um sentido para o seu presente.
A História do país é assim desvendada por intermédio da história destes judeus convertidos. Os jogos políticos e o estabelecimento de hierarquias locais enriquecem em muito a narrativa, assim como a formação do poder local, sob a forma de máfias e de força militar corrupta.
O despertar para a intimidade dos três irmãos surge de modo delicado e explícito, o que consagra a destreza do autor para ilustrar episódios épicos e outros do foro pessoal com a mesma intensidade.
Um romance que prima pelo retrato meticuloso da Colômbia nos últimos séculos e que é, quase, um ensaio romanceado sobre a formação de um país. Sem dúvida, um autor a acompanhar.
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