Há uns bons anos atrás, a Volta a Portugal em Bicicleta deixava o país inteiro em rebuliço, num corrupio de norte a sul onde toda a gente saía à rua para ver passar os bravos ciclistas. Hoje em dia a Volta continua mas em formato reduzido, tendo deixado de fora muitas das cidades e lugares que antigamente figuravam no mapa das duas rodas. Há, porém, uma nova Volta a Portugal que decorre desde abril do ano passado, e que só cortará a meta em Viana do Castelo quando o calendário assinalar o mês de Setembro deste ano. Falamos da Viagem Literária, um projecto carregado de nobreza conduzido pela Porto Editora, que percorre as capitais de distrito – de norte a sul e do litoral ao interior, sem esquecer as ilhas – com a missão de fomentar o gosto pela leitura e pelo pensamento.
No próximo dia 17 de Março a Viagem Literária chega ao Fórum Municipal Luisa Todi, em Setúbal, onde o jornalista João Paulo Sacadura conduzirá uma conversa com Pedro Vieira – autor dos romances O que não pode ser salvo e Última Paragem, Massamá (título com o qual venceu o prémio Pen Clube Português para Primeira Obra em 2012) – e Mário de Carvalho – um dos nomes mais consagrados da literatura portuguesa. E, sendo Setúbal a 12ª etapa – dois terços do caminho -, aproveitámos para colocar algumas questões a Rui Couceiro, coordenador cultural da Porto Editora e o grande responsável por esta Viagem Literária. É pôr o capacete e seguir viagem, sempre de livro na mão.
Como surgiu a ideia para esta Viagem Literária, uma espécie de Volta a Portugal sem bicicleta mas com muita Literatura?
A Porto Editora organiza, desde 2011 e com muito sucesso, um ciclo de conversas com escritores na cidade do Porto intitulado Porto de Encontro. Em função desse êxito, fomos recebendo desafios para criarmos iniciativas semelhantes noutras cidades. A Viagem Literária foi a forma que criámos para dar resposta a esses apelos. E já estamos absolutamente certos de que foi uma aposta ganha.
É possível pensarmos num Porto de Encontro estendido a outras cidades portuguesas, talvez naquelas que mostraram maior adesão a esta Viagem Literária? É uma iniciativa que reúne já um grande apreço na Invicta.
A Viagem Literária já é uma espécie de Porto de Encontro de dimensão nacional, ainda que sem a componente performativa que normalmente as sessões do Porto de Encontro também comportam, mas com dois escritores em vez de um. É um festival literário por etapas, ou por capítulos, se preferirmos. Em todo o caso, não colocamos de parte a hipótese de fazer uma segunda Viagem, nestes ou noutros moldes.
Setúbal será a 12ª cidade de uma grande viagem que começou em Bragança, fará em Abril um ano. Que balanço pode ser feito já com 2/3 do percurso para trás?
O balanço é extraordinário. A experiência tem sido incrível. Se há dois anos me perguntassem se era possível ter 400 ou 500 pessoas a ouvir escritores falar em Bragança, Évora, Funchal ou Ponta Delgada, eu talvez não acreditasse. O nosso objectivo era precisamente conseguirmos convocar muita gente para o mundo dos livros e da leitura. Queríamos oferecer a todas as regiões do país – tirando Lisboa e Porto, que já têm muita oferta – a possibilidade de contactarem com escritores de prestígio, porque acreditamos que isso pode contribuir para criar leitores.
O que esperar desta 12ª etapa, com a presença dos escritores Pedro Vieira e Mário de Carvalho no Fórum Municipal Luisa Todi a 17 de Março?
Francamente, desta sessão, espero um muito inteligente confronto de gerações. O Mário de Carvalho é um dos grandes nomes da nossa literatura (creio até que é o escritor português mais premiado da atualidade), um mestre da Língua Portuguesa, homem de vasta cultura e detentor de um fino sentido de humor. O Pedro Vieira, por seu turno, tem múltiplos talentos: é um ilustrador excelente, um comunicador de alto nível, um ótimo humorista e, felizmente para nós, um escritor muito promissor. Vai ser muito bom.
De que se tem falado nesta Viagem Literária para além de livros?
De tudo, Pedro. As sessões têm permitido incursões por temas tão distintos como a política nacional e a classe política, abordados em Bragança, na conversa entre o Luis Sepúlveda e o Valter Hugo Mãe, ou a criatividade, como sucedeu em Beja, na sessão com o Mário de Carvalho e o Sérgio Godinho, ou ainda a transcendência, tema de conversa entre o José Tolentino Mendonça e o Valter Hugo Mãe, no Funchal.
João Paulo Sacadura tem moderado todas as sessões desta Viagem, quase como um carro-vassoura que vai tratando de ligar escritores e público. Como aceitou ele a exclusividade de 18 etapas entre Portugal Continental e Ilhas e entrevistar escritores tão diversos, algo que implica um trabalho de casa à antiga?
O João Paulo Sacadura é um excelente profissional e entendemos, desde o início, que tinha as características certas para este projecto: é um excelente comunicador, é muito empático, tem a desenvoltura oferecida por um percurso de muitos anos de rádio e de televisão, trabalhou muitos anos na área da cultura e dos livros, é muito trabalhador e dedicado e, ainda por cima, conhecia quase todos os escritores envolvidos. Era o nome certo. E entusiasmou-se muito pelo projecto desde o primeiro momento, facto que nos deixou muito satisfeitos e confiantes.
Como foi a recente experiência da Viagem Literária na Madeira e nos Açores?
Foi excelente. A sessão do Funchal, com o José Tolentino Mendonça e o Valter Hugo Mãe, esgotou o Teatro Baltazar Dias e foi, no meu entender, a de mais alto nível até agora. De grande densidade intelectual e emotiva. Não me esqueço do facto de dezenas de pessoas se me terem dirigido, no final, para agradecerem esta sessão, dizendo-se de alma cheia. Isto não tem preço. A gravação está disponível no Youtube, para quem quiser ver e ouvir. Em Ponta Delgada fiquei felicíssimo por ver uma região e uma cidade abraçarem de forma entusiástica a Viagem Literária. Estiveram 550 pessoas no Coliseu Micaelense, o que é impressionante! Não vou esquecer estas duas etapas. Em boa altura decidimos que era fundamental estarmos nas Regiões Autónomas. Ir à Madeira e aos Açores conferiu ainda mais sentido a esta iniciativa descentralizadora.
Que momentos gostarias de destacar das 11 sessões já realizadas?
Para além das sessões nas Regiões Autónomas, destaco o arranque extraordinário, em Bragança, estereótipo da interioridade. Ainda por cima no 25 de Abril. Se ler é ser livre, a Viagem Literária não podia ter começado de melhor forma. A cidade entusiasmou-se com a iniciativa e os bilhetes esgotaram num ápice. Mais lugares houvesse e muito mais gente teria assistido. A sessão de Évora, com o José Luís Peixoto e a Pilar del Río, também foi belíssima. O Palácio D. Manuel também estava totalmente lotado, com 400 pessoas. Recordou-se Saramago, que é coisa que se devia fazer pelo menos uma vez por semana, e o público teve o privilégio de ouvir em primeira mão excertos da mais recente obra do José Luís Peixoto.
A Viagem termina em Viana do Castelo no mês de Setembro. Está preparada alguma celebração invulgar ou, pelo menos, uma sessão diferente pelo facto de assinalar o cortar da meta?
Para já, ainda não há nada de diferente definido. Mas há algumas ideias e ainda na semana passada conversei com a Vereadora da Cultura, Maria José Guerreiro, sobre o assunto. Em Santarém, em abril, assinalaremos o Dia Mundial do Livro e também estamos a preparar surpresas.
“O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. “ Esta frase de Saramago aplica-se à Viagem Literária? Teremos uma nova Viagem a seguir a esta, talvez democratizando ainda mais a Literatura e viajando até cidades mais pequenas ou vilas?
Não é impossível. Este projeto tem dado muitíssimo trabalho e só é possível graças às instituições que o apoiam, mas também tem sido muito gratificante e tem dado bons frutos. Por isso talvez o fim de uma viagem signifique, como escreveu Saramago, o começo de outra.
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