“Cem fragmentos de império enfrentando-se num ciclo interminável de pequenas guerras, vinganças de sangue, escaramuças, enquanto reinos cresciam, minguavam e voltavam a crescer e enquanto vidas inteiras se esgotavam em conflito sem que nada mudasse. Cabia-me a mim mudar tudo isso, pôr-lhe fim, vencer.”
“Príncipe dos Espinhos” (Topseller, 2016) é o primeiro volume da Trilogia dos Espinhos, escrita pelo britânico Mark Lawrence. Uma literatura fantástica, num registo negro, que convida o leitor a entrar no mundo do príncipe Jorg Ancrath e a acompanhar 315 páginas de guerras e vinganças sangrentas, contadas na primeira pessoa.
Depois de, com apenas 9 anos, ser atirado para um espinheiro onde ficou preso – “impotente e imobilizado por mais do que espinhos. Mobilizado pelo medo” –, a assistir ao assassinato da mãe e do irmão mais novo, o herdeiro do trono príncipe Jorg vê crescer dentro de si uma “raiva fria” e o profundo desejo de vingança. Fugindo da vida no castelo, junta-se a um bando de mercenários, a quem passa a chamar de irmãos e com quem vai, durante quatro anos, “crescer no seio de batalhas sangrentas, amadurecer em guerras impiedosas, tornar-se um guerreiro cruel.”
Cedo consegue conquistar a confiança e lealdade do bando e tornar-se o seu líder. Disposto a tudo para vingar a morte da mãe e do irmão, príncipe Jorg vai conquistando o leitor a cada virar de página, a cada revelação do passado que o tornou na pessoa que é, a cada reflexão que nos faz duvidar que venha de alguém com apenas 13 anos: “O ódio mantem-nos vivos quando o amor falha.”
Mark Lawrence tem esta capacidade de nos fazer ansiar pelas vitórias do príncipe – tornando-o simultaneamente herói e vilão –, mesmo sabendo que as suas atitudes são totalmente amorais – mas isso pouco importa quando nos vemos totalmente absorvidos na atmosfera sombria deste mundo fantástico.
A forma como a obra está estruturada e organizada valorizam a experiência de leitura, dada a alternância entre os momentos do presente e os de “quatro anos antes” estarem bem assinalados, inclusivamente com um tipo de letra distinto. Estes flashbacks não só não quebram o ritmo de leitura, como nos fazem ansiar por saber mais sobre o passado da personagem, que se vai revelando de forma misteriosa.
A componente gráfica desta edição é sem dúvida um grande ponto a favor. Nada melhor que, ao ler um livro marcadamente negro, ir encontrando páginas totalmente de cor negra, das quais sobressaem passagens que revelam a personalidade dos companheiros de Jorg, recheadas de sarcasmo. Aliás, a evolução do Príncipe dos Espinhos é profunda e surpreendente, o que faz o leitor ansiar por mais desenvolvimento das personagens que o acompanham ao longo da história – o que talvez aconteça no próximo volume.
No final saímos deste mundo duro, onde percebemos que só os mais fortes sobreviverão, com a sensação de que alguns pontos altos da história, de batalhas e intrigas, foram despoletados de forma um pouco precipitada, ficando o leitor à espera de uma exploração mais profunda destes momentos de tensão.
Numa escrita fluída, vívida, acutilante e intimista, Mark Lawrence faz-nos mergulhar num ambiente que mistura o mundo medieval e pós apocalíptico, sempre pleno de acção. “Príncipe dos Espinhos” tem o poder sublime de, através de uma personagem fascinante, provocar e instigar a reflectir, sempre envolto numa nuvem negra e mística que a caracteriza e que deixará os leitores sedentos de continuação.
“Acredito que talvez morramos todos os dias. Talvez nasçamos novamente a cada amanhecer, um pouco mudados, um pouco mais adiante na nossa estrada pessoal. Quando dias suficientes se erguem entre nós e a pessoa que fomos, tornamo-nos estranhos. Talvez crescer seja isso. Talvez eu tenha crescido.”
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