Rezam as lendas literárias que, se por uma possibilidade do destino, todas as prateleiras da biblioteca de José Pacheco Pereira fossem colocadas lado a lado num contínuo mural, a brincadeira se estenderia para lá dos 5 quilómetros, numa lenta marcha de um conhecimento que vai do mais inócuo fait-divers ao mais erudito tratado político.
Constituído sobretudo pela biblioteca de família, pelas aquisições que Pacheco Pereira tem feito desde 1963 e por um conjunto vastíssimo de doações, o Arquivo / Biblioteca Ephemera – ou, como é conhecido entre coleccionadores e estudiosos, o Arquivo da Marmeleira, por se situar geograficamente nessa aldeia ribatejana – integra todo o tipo de espécimes literários: catálogos, guias de referência, fontes primárias, manuscritos, correspondência, originais dactilografados, panfletos, cartazes, fotografias, autocolantes e iconografia diversa. Uma colecção que, ainda que generalista, recai mais sobre a história política e contemporânea.
A boa notícia para o comum – e curioso – leitor é que, graças a uma sinergia criada entre Pacheco Pereira e a Tinta da China, boa parte dessa colecção ficará agora publicamente disponível através da publicação dos livros que constituirão e colecção Ephemera, a qual colocou já dois títulos no mercado: “Autocolantes do PPD” e “Amorzinho”.
“Autocolantes do PPD” (Tinta da China, 2015) – de José Pacheco Pereira e Júlio Sequeira – reúne um catálogo de autocolantes, impressos entre 1974 e 1976, num tempo em que os autocolantes foram uma das marcas visuais mais marcantes da entrada na democracia portuguesa e da liberdade de expressão conquistadas em 25 de Abril de 1974.
Trata-se do primeiro catálogo alguma vez feito dos autocolantes portugueses, inventariando aqueles que foram produzidos pelo Partido Popular Democrático (PPD) entre 1974 e 1976, ano em que mudou de nome para Partido Social Democrata (PSD). O livro conta a história de um partido nascido da democracia, e da escolha do nome, do símbolo e da cor.
“Amorzinho” (Tinta da China, 2015) – com organização de Rita Maltez – reúne a correspondência “nada excepcional” de um casal de namorados, Maria de Lourdes – costureira – e Alfredo – empregado de escritório -, mantida entre 1934 e 1943, cartaz – para lá de seiscentas – encontradas no lixo.
Apesar de namorarem e depois casarem, o tempo de corte foi essencialmente vivido através de cartaz, uma vez que passaram muito pouco tempo juntos. Maria escreve com muitos erros de ortografia – que vão diminuindo com o passar do tempo -, ele escreve de forma mais coloquial e aprumada. Fala-se de encontros e desencontros, da vida comum das pessoas comuns, de cinema, alguns livros e também de festas que frequentam. E, por vezes, também de sexo, ainda que Maria pouco pareça perceber do assunto. Nesta aparente banalidade, encontramos um testemunho único e real da vida de um português comum nos anos 30 e 40 do século XX, numa telenovela em formato correspondência que se devora de um trago.
Dois volumes que, apesar da grande disparidade temática, iniciam brilhantemente a publicação da colecção Ephemera, plantando a curiosidade do que virá a seguir.
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