Suíça. Certamente nos antípodas de Yo la Tengo (New Jersey). Capitólio (Lisboa). Convém não misturar referências. Mesmo que o branco do edifício permita alguma confusão entre o nome e função. Neste sobem-se uns 3 degraus e, do lado esquerdo, a famosa banca – t-shirts penduradas, vinis na mesa e, colados na parede, os cartazes. O da tour europeia chama-nos a atenção. A impressão em risografia, certamente, e em particular por não ser uma tour muito extensa. Lisboa, tocariam no dia a seguir no Porto, Espanha, França e Inglaterra. Espanto – reacção -, pergunta: “Mas a tour só vai passar por estes países?”. “Sim, falta aí a Suíça, mas como vai ser num festival e a linha a mais estraga o cartaz, decidimos não pôr.” A resposta não poderia ter sido mais natural. Há uma regra para se fazer? Muito provavelmente. Há que a seguir? Decididamente não.
21 horas religiosamente, à portuguesa – 15 minutos de condescendência. Há regra? Tendo como referência o anterior concerto da banda, na Aula Magna em 2013 e sabendo que não haveria primeira parte, convinha ser mais ou menos pontual. Ao chegar deparamo-nos com vinis pintados e suspensos por um fio de nylon. Uma decoração entre a Crew Hassan e o Waking Life. Desprovida de qualquer noção estética. Mas há norma? Descomprometida, definitivamente não elegante. Sabes que a tua avó poderia fazer igual em programa de incentivo à terceira idade. James McNew, t-shirt preta, Georgia Hubley e Ira Kaplan às riscas horizontais. Há uns dois na plateia, sim, talvez uns dois no máximo, que não se esquecem que estes concertos são para levar as riscas à risca.
Ali estão, como estiveram no primeiro concerto – Sudoeste 98. A tranquilidade de uma linha azul. O mar da Zambujeira. A juventude plena. Os anos passam, mas jamais esqueceremos o equipamento Adidas com o patrocínio Shell. O terceiro anel ao barrote. Continuamos a acreditar que há um tempo puro. Imutável. Onde a vontade de transformação está à distância de qualquer amplificador Fender. Os primeiros minutos são como foram há 5 anos. Uma melopeia acústica, seguida de outro tema acústico. Mesmo que houvesse troca de instrumentos entre os três. Anunciaram, quais Sly & the Family Stone há 50 anos, que There’s a Riot Going On. Desconfiamos que tal venha a suceder, ali naquele lugar, e com a Suíça em parte incerta. Mesmo quando há uivo no meio da plateia e uma amiga nos confidencia – “Ainda bem que alguém grita, se não seria como um concerto no secundário”. Só nos ocorre – “Ao menos nessa altura andávamos apaixonados”.
Yo La Tengo é lembrança. Lembrança boa. Do tempo das paixões, dos amores que iriam durar todos os Verões. É tempo dos concertos com intervalo. É saber que depois da bonança vem a tempestade. Nunca falha. É sabedoria sónica. E assim foi.
Para quem aguenta. Para quem sabe que ali junto a eles só falta Agnes Varda de La Pointe Courte (1955) na procura das origens, certamente de t-shirts às riscas azuis horizontais, do feedback sem fim, das sonoridades que se vão acumulando como o sol na pele em tarde de torreira. É corda puxada um bocadinho mais, desafinação estimulada. Nas teclas é carregar. Entre os temas, mais uns breves momentos dissonantes. As Bagatelles do John Zorn, em comparação com estes 2 minutos de noise, são pedantismo académico. Sabe tão bem. Não interessa onde vais. Afinal, perdemos sempre mais tempo a discutir onde queremos ir.
Já quase no final ou naquilo que pensamos viria a ser o final irrompe, termo algo exagerado, o tour manager. Camisa engomada. Terá sido a mãe? Caneta enfiada no bolso. Será Administrador do Condomínio? Afasta a cortina, retira as tiras de fita-cola laranjas do teclado e carrega. Parece Barcelinhos às seis da manhã. Carrega. Risca o disco que há-de tocar. Olha o infinito. Olha-nos a cada um de nós. E nós olhamos um infinito, um infinito qualquer, com ele. É o tour manager. Também nós um dia tocaremos com os Yo La Tengo. Invadiremos o palco ou pensam que não houve invasão? Faremos referência a um programa de televisão que mais ninguém conhece, tocaremos três músicas em encore – sim, houve encore à séria – e faremos uma cover de Neil Young, na esperança de nova viagem a Madrid sem saber se saímos de Lisboa pelo Marquês ou por Alcântara.
Pega na Camping Gaz, enche-a de fruta e do pão que a mãe há-de ter, uns trocos no bolso e cinco Euros no telemóvel. There’s a Riot Going On. É improvável, mas acredita. E quase de certeza que a Suíça também se junta. Somos todos prisioneiros do Rock n’ Roll.
Promotora: Sons em Trânsito
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