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Vodafone Paredes de Coura 2018: o dia em que as guitarras se ouviram mais alto

Por Pedro Miguel Silva · Em 20/08/2018

O terceiro dia do Vodafone Paredes de Coura parece ter sido programado a dedo por um maníaco das guitarras, provavelmente um fiel devoto da Igreja do Sagrado Coração da Guitarra que, depois de um apreciável jogo de cintura e muita contabilidade, conseguiu reunir um leque bem apreciável de músicos e bandas que, vivendo em diferentes planetas, partilham o facto de terem nas cordas electrificadas o seu elemento aglutinador: Lucy Dacus, Kevin Morby, DIIV e Slowdive.

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Lucy Dacus é uma daquelas raparigas com todo o ar de que não parte um prato, come a sopa até ao fim e pede licença antes de se levantar da mesa para ir ver desenhos animados japoneses com gatinhos. Com residência em Richmond, Viginia – na imensa América -, este foi o primeiro concerto da tour europeia de Dacus, que não deixou de manifestar alguma surpresa por um bom punhado de festivaleiros saberem as letras de cor.

À boleia de “Historians” o recomendadíssimo segundo disco de originais que é atravessado pela grande literatura e uma ironia que, de tão fina, parece britânica, Lucy Dacus foi avançando timidamente – no inicial “Addictions” temeu-se o pior, com a voz perdida atrás das camadas sonoras -, um pouco como acontece em todas as suas canções, que começam como uma história de embalar antes de descambarem numa revigorante descarga de electricidade.

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Há tempo para pedir desculpa pela actual América, numa canção sobre a sua cidade e que é, também, o poço onde vai beber a esperança quando esta ameaça falhar – “Your & Mine”; uma malha que é uma verdadeira Biblioteca de Babel, e que reflecte a paixoneta de Dacus pelas páginas impressas – “Nonbelievers”; uma canção sobre a sua avó – “we all got them”, disse depois de um grito mais entusiasmado que se fez ouvir -, mais uma letra incrível onde, a dado verso, se ouve falar num “pillar of truth turned into dust“; ou a incrível “Night Shift”, o hit de Verão de Dacus, que tem provavelmente o melhor verso de entrada de uma canção de 2018 –  “The first time I tasted somemody else’s spit I had a coughing fit” -, que teve direito a um coro esmerado a anteceder a explosão derradeira da voz de Dacus, qual géiser que surge quando menos se espera. Antes de sair de cena, Lucy bate no peito, sorri e agradece, sentindo que entrou na Europa com o seu pé direito.

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Kevin Morby, o rapaz americano dos caracóis, havia prometido há dias que, quando pisasse o palco em Paredes de Coura, viria trajado com o equipamento do fêquêpê vestido, oferecido por um fã mais dado à paixão futebolística. A verdade é que de azul só se viu mesmo o macacão de trabalho, e nem o cachecol que um fã lhe atirou no início chegou a ser mostrado, sendo devolvido no final tão sorrateiramente como se estivesse a decorrer uma transacção de droga. “Ofereceram-me um equipamento do Porto. Não sei qual é a vossa opinião sobre isso. Só quero dizer que amo Portugal por inteiro“, disse mais tarde, evitando incidente diplomáticos de maior, acrescentando ainda que de futebol não percebe puto. Já quanto a música a conversa é bem diferente, qualquer coisa para lá do Doutoramento.

Bastou ouvir os primeiros acordes de “City Music” para perceber que o muito estendido check sound havia dado os seus frutos, com tudo no sítio e uma banda que possui uma incrível dinâmica de palco e que, desta vez, contou com o precioso acrescento de um trompetista – que em temas como “The Parade” ajudou a construir um ainda maior aparato sónico.
Em “Dry you eyes”, Morby vem junto do público para segurar um cartaz onde se lia “Kevin Normie”, rematado com um coração desenhado com, arriscamos, amor, carinho e o desprendimento pelas artes que temos na passagem pelo infantário. Da setlist de mais um concerto exemplar fizeram parte temas como “Crybaby”, “Aboard My Train”, “1234”, ou “Harlem River”, confirmando que no que toca à folk made in America e se lhe juntarmos o compatriota Kurt Vile, ficamos muito bem entregues. Uma folk que vai beber às suas origens mas que não olha com maus olhos a contaminação por sons de planetas tão distantes como os Ramones ou os Pavement.

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Inesperado foi o concerto dos DIIV, banda que, apesar de ter sido formada em 2011, parece ser contemporânea de parceiros de andanças rock como os Nirvana. Curiosamente e durante todo o concerto, foram projectadas imagens gravadas em formato VHS ou mais retro, que mostravam a tour da banda um pouco por todo o globo, nos seus tempos iniciáticos, nas quais Zachary Cole Smith, o vocalista dos DIIV, poderia ser quase confundido como o irmão meio gémeo de Cobain. Menos de uma década depois e a braços com uma dependência da heroína, Zachary mais parece uma versão de Harry Potter que não se conseguiu libertar do feitiço do envelhecimento precoce.

Entre alguns versos cantados ao desafino, puderam escutar-se alguns dos temas imaculados que a banda compôs em “Oshin” (2012) e “Is Ths Is Are” (2016), tendo Zach dito que esta era a maior multidão que jamais haviam enfrentado. “Make DIIV cool again“, disse por mais de uma vez antes de fazer o “Oceans” desaguar no Taboão. Vê se atinas rapaz, apetece dizer perante uma banda com tanto potencial.

FESTIVAL VODAFONE PAREDES DE COURA 2018 _ © Hugo Lima | fb.me/hugolimaphotography | hugolima.com

O concerto do dia acabaria por chegar depois com os Slowdive, banda que vive por estes dias uma segunda e vibrante existência. Ao contrário de ilustres como os Pixies, cujo regresso deixou muito bom fã envergonhado, os Slowdive voltaram em 2014 depois de uma primeira existência vivida entre 1989 e 1995, gravando três anos depois um disco homónimo e imaculado onde o shoegaze voltou a ser cool outra vez – Zachary, pede mas é uns conselhos a esta malta -, e onde o nevoeiro sónico se transformou em algo mais dado ao universo da pop.

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As vozes de Neil Halstead e Racel Goswell continuam cristalinas, o porto de onde saem e regressam todas estas canções que poderiam ser os sonhos mais intranquilos de anjos, um pouco como se comêssemos algodão doce salpicado com pimenta caiena.  Uma hora de pura contemplação, abençoada por guitarras levadas ao limite, que mostrou que muita da boa dream pop que se faz hoje nasceu graças a estes meninos e menina. A par dos Fleet Foxes, terá sido o concerto que ficou mais próximo de uma pintura, um daqueles para emoldurar e pendurar na melhor parede lá de casa. Estão para durar estes Slowdive: que os seus sonhos continuem a ser também os nossos.

 

Fotos: Hugo Lima/Festival Vodafone Paredes de Coura

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Pedro Miguel Silva

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