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Vodafone Paredes de Coura (17 Agosto): people have the power

Por Pedro Miguel Silva · Em 25/08/2019

Aos olhos de um marketeer mais atento, o concerto de Mitski tinha tudo para servir de lançamento mundial a uma nova colecção de mobiliário de regresso às aulas, pensando com os seus botões numa forma de o logótipo do IKEA – ou de qualquer outra marca concorrente – poder aparecer, muito discreto, no canto do ecrã que servia de decoro minimalista.

Eram provavelmente muitos aqueles que, antes da entrada em cena de Mitski Miyawaki, faziam exercícios mentais sobre o papel que aquela mesa e cadeira teriam no concerto desta americana de 28 anos, nascida no Japão, que antes de procurar casa em Nova Iorque viveu em treze diferentes países, trazendo essa indefinição sobre a pertença para dentro da sua música.

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Após a entrada ao som de uma qualquer espanholada – deseja-se que tenha sido opção e não um caso de geografias trocadas -, mostrando um ar glacial sem o mínimo vislumbre de um sorriso – a fazer lembrar PJ Harvey e os tempos em que esta deixava tremer a Inglaterra -, Mitski dá início à sua instalação sonora, qual colegial com protecções nos joelhos, num mundo animé onde o varão deu lugar a uma secretária que parecia representar a violência e a pressão social exercidas sobre a mulher, mesa onde actuou como contorcionista, cantora, ginasta, showgirl e actriz.

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Neste teatro onde cabem todos os sonhos de Mitski, desfilaram temas de uma carreira que começou no cinema e que, bem a tempo, se virou para a música. Foi uma delícia a forma autoritária e descomprometida com que mandou embora os fotógrafos – “Já tocámos três” -, o tremendo manguito que fez ao capitalismo, o ar de ginasta olímpica com que fechava cada faixa, ou a forma sentida como cantou temas como “Two Slow Dancers”, que teve direito a um coro tímido. Uma mistura de beleza, sensualidade e estranheza que fez deste o mais marado concerto desta edição.

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Há seis anos atrás, naquele que foi o seu último concerto em Portugal em nome próprio dos Suede, Brett Anderson, um dos maiores e mais estilosos e sensuais performers que a música já nos mostrou, entrava com tudo. Após os temas da praxe para captação de imagens, despachava os fotógrafos com um amoroso «you guys fuck off» e, não contente com a entrega do público, lançava-lhe um ultimato que mais parecia um cocktail de soda cáustica: «If you don`t dance fuck yourself».

Ao longo da história da música, não faltam exemplos de guerras de protagonismo promovidas entre – é quase sempre assim – o vocalista e o guitarrista de bandas do universo pop, umas resolvidas com reencontros, outras com desencontros e, outras ainda, com o lançamento da bomba atómica. Foi assim com os Verve, foi assim com os Smiths, foi também assim com os Blur – ainda que, em relação a estes últimos, a coisa se tenha resolvido com uns discos a solo e uns abracinhos. E, para aquilo que aqui interessa, foi também assim com os Suede.

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Brett Anderson e Bernard Buttler deram-se razoavelmente bem entre 1989 e 1994, ano em que Bernard bateu com a porta e saiu dos Suede. Para trás ficaram dois grandes discos gravados em conjunto – “Suede” e “Dog Man Star” -, mas a história dos Suede, contrariamente ao que previa muito bom oráculo – talvez à excepção de “A New Morning” (2002) -, não se ficou por aí. Os dois ainda se reencontraram em 2005 para formar os The Tears, tendo dessa relação resultado um filho único – “Here Comes The Tears” -, mas parece que a coisa não pegou e o silêncio voltou a ser a etiqueta a seguir.

Depois de um hiato de uma década, os Suede voltaram à vida activa com um grande disco em 2013 -, “Bloodsports” – que, de certa forma, recuperava a aura iniciática da banda. Já em 2018, “The Blue Hour” acrescentava mais um capítulo a uma banda que, após a partida de Buttler, passou a ser a banda de Brett Anderson e amigos. Em Coura, tal como havia acontecido no Coliseu, foi raro ver Brett interagir com a banda, chamando a si todas as atenções, isto enquanto abria o peito às balas que, num cenário onde jogava fora de casa e onde a maior maior parte dos jovens festivaleiros talvez os conhecesse por uma versão radiofónica de “Trash”, não era propriamente muito favorável.

Porém, se há coisa que Brett Anderson mantém vivo, é o apetite voraz em ser amado, bem como uma sede enorme de ver uma plateia participativa. Em Coura, após apalpar terreno nos primeiros temas, percebeu que a montanha de adversidade que teria de escalar era maior que o Evereste, mas recusou fazer aquilo que a maior parte das bandas faria: tocar o alinhamento, mandar umas bocas pelo meio e ir à sua vidinha com o guito na conta bancária.

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Aquilo que se viu nesta noite foi, de facto, algo de épico: um homem que se recusa a morrer, que quer fazer de um concerto uma experiência emocional, que faz tudo o que é preciso para amar e ser amado. Nem que, para isso, tenha de descer por várias vezes para junto do público – no meio do qual cantou “The Drowners”, do primeiro disco com já duas décadas, metade de outra e um ano extra em cima -, roubar a câmara a um dos cameraman para umas filmagens ao estilo de Blair Witch, oferecer o microfone a quem se queira chegar à frente, bater no peito enquanto canta com todas as forças, deitar-se de costas no palco como um soldado abatido ou, em alguns dos temas, improvisar, recorrendo a momentos de spoken word ou pura declamação poética que acabam por reinventar velhos clássicos.

Num incessante desfilar de êxitos, destaque para o momento acapella, solitário e estilosamente desafinado de “Wild Ones”, a magnífica versão acústica de “She`s in Fashion” ou a irrequieta versão de “New Generation”, sacado ao mais elegante longa-duração da banda – só faltou mesmo “Saturday Night” para compor o ramalhete. Uma pena que esta pop sofrida, romântica e imensamente trágica apenas tenha chegado ao coração de uns quantos, ainda que, na recta final, já não fossem poucos os braços a aplaudir esta tresloucada prestação de Bret, que deu tudo de si e deixou o palco a suar em bica. He`s still in fashion.

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“Estou contente por estar de volta“. As palavras são da senhora Patti Smith, cantora, compositora, romancista, poeta, influência e musa maior do movimento punk que a cidade de Nova Iorque viveu por volta de 1975, a que Patti acrescentou o seu próprio monumento intitulado “Horses”.

Ao longo de uma carreira com contornos de lenda, Patti juntou a efeverscência do rock ao poder da palavra e da poesia, tendo recebido a Ordem das Artes e da Letras das mãos do Ministro da Cultura francês, ingressado no Rock and Roll Hall of Fame ou, tire-se-lhe o chapéu, conquistando o National Book Award com “Just Kids” – “Apenas Miúdos” na versão portuguesa, editada em Portugal pela Quetzal -, livro maior e biográfico que nos aproxima mais desta lenda viva e da bonita homenagem que decidiu prestar, com a edição daquele livro, a um companheiro de vida – se não chorarem ao ler este livro não são humanos.

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Ao longo de um concerto onde todas as gerações em Coura pareciam estar um uníssono, foram várias as mensagens de Patti Smith que, aos 72 anos, ainda acreditar que conseguiremos dar a volta a uma extinção que parece ser mais do que certa: em “People Have The Power” lembra-nos de que temos o poder de votar, de escrever e de amar, e que nunca nos devemos esquecer de usar a voz que a cada um pertence; sobre “Are You Experienced?”, tema original de Jimi Hendrix – “o Jimi foi sempre peace and love” -, diz ser uma canção sobre a unidade, que todas as nossas crianças deveriam ouvir, criando um mundo global sem espaço para nacionalismos.

“Não temos muito tempo mas vamos aproveitá-lo bem“, diz Patti, aproveitando para fazer um pirete a Donald Trump e pedindo para que todos ergam as mãos em “Ghost Dance”, tema que escreveu a meias com Leonard J Kaye, com quem partilha o palco naquela noite. Aproveita para cuspir para o chão, atirando logo a seguir um “You are Beautiful”, momentos que precedem uma versão de “Beds Are Burning”, dos Midnight Oil, que faz a casa vir abaixo – se por acaso o telhado por cima das nossas cabeças fosse feito de tijolos.

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Com “Beneath The Southern Cross” – canção que, na versão original, contou com a colaboração de Jeff Buckley – faz-se a homenagem a todos aqueles que perdemos, relembrando o dever de os manter vivos na memória, tratando de passar esse legado às gerações futuras.

“Somos livres. Sintam a liberdade, independentemente dos governos“, diz com profundidade, antes de um momento mais divertido: “Tenho um cabelo cinzento na boca, é muito valioso“. Seguem-se dois clássicos entoados em coro por uma multidão já rendida -“I`m Free”, dos Rolling Stones, e “Walk On the Wild Side”, de Lou Reed -, e uma versão do incrível “After The Gold Rush”, clássico pertencente a Neil Young do qual Patti Smith havia gravado uma versão em “Banga”. Não poderia faltar “Gloria: In Excelsis Deo”, tema com a vertigem dos Doors em pico de forma, onde Patti agradece a Jesus por ter salvo os pecados alheios – o mesmo Jesus com o qual se parece ter reconciliado em anos recentes. Dias depois, Patti Smith dizia que nunca se iria esquecer deste concerto em Paredes de Coura. Ninguém o vai, Patti.

Fotos: Hugo Lima

Promotora: Ritmos

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Pedro Miguel Silva

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