É muito provável que, do alto da sua adolescência ou no inquietante começo da vida adulta, a canalha que esteve no Coliseu dos Recreios na noite de 26 de Novembro nunca tivesse passado os olhos pelo “Drácula” de Bram Stoker, ou visto sequer a irreverente “Entrevista com o Vampiro”. A verdade é que, com ou sem dentes de leite e clássicos na bagagem, a miudagem chegou os pescoços bem à frente, prontos para serem sugados por esses vampiros de fim-de-semana que vão assinando as suas rodelas como Vampire Weekend. Canalha que se juntou a gente mais crescida, que vai acompanhando esta sede de sangue desde o início e não perde uma campanha para doar mais umas gotas de devoção.
Com “Father of the Bride”, disco duplo lançado este ano, a banda americana conquistou um novo – no sentido literal do termo – público que, fazendo os TPC’s de forma exemplar, tratou de ouvir a discografia e decorar letras de uma ponta à outra, com muitos dos hinos da banda a serem cantarolados no Coliseu como se estivéssemos em treinos de captação para um coro à séria.
A banda de Ezra Koenig, Chris Tomson e Chris Baio, que havia assinado um muito experimental concerto em terras lusas aquando da edição deste ano do NOS Alive, voltou agora a atravessar uma discografia composta por quatro rodelas onde, a última, conseguiu fazer de uma vida privilegiada e sem grandes sobressaltos existenciais, matéria para uma refinada escrita de canções – já longe dos tempos em que escreviam sobre o que era a boa vida de estudantes que não tinham de se preocupar com a chatice da renda, em trocar a botija do gás ou pedir fiada uma refeição.
Já antes do concerto, o experimentalismo de primeira água dos Vampire foi antecedido por uma série de temas de música clássica, algo pouco visto na cena indie rock no que toca a aquecer multidões mas que, com estes vampiros que juntam instrumentos antagónicos em muitos dos seus temas, soa a praia musical.
Ao longo de duas horas, daquele que foi segundo Ezra “o primeiro concerto a sério da banda em Portugal em quase dez anos“, os Vampire Weekend fizeram deste um concerto de amigos, que terminou com uma série de discos pedidos e o fã Giacomo, que tinha vindo de Itália, a tomar conta do piano para se juntar à banda em “My Mistake”, deixando-lhes um merecido elogio por uma vampiragem que dura já há alguns bons anos.
Pelo caminho e ao longo de duas horas, houve momentos deliciosos como a intro extra acústica para “Flower Moon”; uma espanholada sem sombra de castanholas para soltar a “Bambina” que há escondida em cada um; aquele baixo gingão e a bateria a la White Stripes de “Everlasting Arms”; o grito de espanto ao ver que Blake`s Got a New Face; momentos psicotrópicos, entre Espanha e Marte, do flamenco ao quase metal, com esse monólito chamado “Sympathy”; uma versão baile de finalistas de “Oxford Coma”; o nunca antes tocado em Portugal “Jonathan Low”, com aquele toque de classe arrancado ao Flashdance; solos de guitarra cantados ao desafio e em coro em “Sunflower”, de onde salta à vista um Prince em modo guitar hero a inventar solos que são flores nocturnas; uma versão country no ponto de “Married in a Gold Rush”; o momento caribe de “Harmony Hall”; uma “Diane Young” que nunca tínhamos visto ser tão punk; a calma de “2021”, com aquele «oi» colectivo e um final que poderia ser uma curta-metragem musicada a meias com os M83; um riff de guitarra bom de morrer em “Giving Up The Gun”; ou essa belíssima canção que é “Jerusalem, New York Berlin”, com mais um final revirado onde há uma invisível linha de baixo, pratos a chocalhar, teclas a serem marteladas como se não houvesse amanhã, o embalo do espírito músicas do mundo e até mesmo o fantasma de DJ vibe, antes de tudo terminar com uma caixinha de música que parece querer mandar toda a gente contente para a cama. Nunca a betice foi tão subversiva e apaixonante como com estes rapazes.
Alinhamento
Flower Moon
Holiday
Bambina
Unbelievers
Everlasting Arms
One (Blake’s Got a New Face)
Sympathy
Oxford Comma
Jonathan Low
Unbearably White
Step
Sunflower (Stoneflower version)
This Life
Married in a Gold Rush
Harmony Hall
Diane Young
Play Video
Cousins
A-Punk
2021
Giving Up the Gun
Jerusalem, New York, Berlin
Encore:
Mansard Roof
Boston (Ladies of Cambridge)
My Mistake
The Kids Don’t Stand a Chance
Worship You
Ya Hey
Walcott
Fotos: Tiago Cortez // Everything is New
Promotora: Everything is New
Sem Comentários